PELAS RUAS DE NATAL – José Delfino

PELAS RUAS DE NATAL – Naquela noite, com todos os mosquitos do mundo soltos lá para as bandas da Ribeira, Pedro Paulo, deitado na calçada da rua Frei Miguelinho, cochilava e acordava o tempo todo. O pesadelo se repetia quando mal fechava os olhos. Um anjo exterminador alado pairava no teto da casa e falava […]
SOLILÓQUIO – José Delfino

SOLILÓQUIO – Claro, a gente só descobre as coisas com o tempo. Na maioria das vezes, tarde demais. E sabe as conclusões que cheguei a essa altura do campeonato? Que não gosto de praia ou campo. Que sou um urbanita convicto. Que não me pertenço. Que sempre me persegue uma frase de Fellini numa […]
DE BRANCO – José Delfino

DE BRANCO – É fácil pensar. Só pensar. Entretanto, por no papel o pensamento da forma que você vê, nem tanto. Pois é difícil superar o sentimento escondido nele que, às vezes, você até não gostaria de ser revelado de forma tão explícita. Daí a necessidade de escamotear. Daí o uso da linguagem figurada. Da […]
DE POESIA – José Delfino

DE POESIA – 1 – HUM Quando as rimas se abrem Os lábios se entendem Onde o sal e o açúcar se fundem E um pouco ao salobro se sabem Escoltando intenção e escolha Ao teu travo de mate e se atrevem Num amargo sabor que lembra folha 2 – DOIS É que eu sempre gosto […]
DE APARIÇÕES – José Delfino

DE APARIÇÕES – Dizem que quando se avista algum ser de outro mundo não se discerne bem o que se está vendo, pelo fato de não se saber nem mesmo se eles realmente existem. De repente, entraria em livre curso uma parte do nosso cérebro onde a ciência ainda não detém conhecimento ou controle. Entretanto, […]
DE BARRA PESADA E ERRO GENÉTICO – José Delfino

DE BARRA PESADA E ERRO GENÉTICO – Entrei no centro cirúrgico e por força do meu ofício sempre atuar no ataque, naquela manhã de terça-feira me vi em posição de defesa e torando um aço. Despi-me, calcei os propés, pus o gorro cirúrgico (e a máscara, desnecessária, por puro reflexo), tranquei a inseparável bruaca no […]
DE POEMAS HERMÉTICOS – José Delfino

De poemas herméticos (que uns acham que são e outros não) Vênus no espelho (Vendo Velázquez) Deitada no quarto em penumbra Entre lençóis de linho encoberta Enroscada desnudado em ter-te Inalcançável como uma asa Refletida faz-te e semeada Em chão de pedras batidas Pontos de luz fogaréu ao longe No quadro antigo em claro-escuro O riacho em […]
DE PESADELO ETERNO – José Delfino

DE PESADELO ETERNO – Fazia tempo que eu não ia lá. A última vez foi em 1979 quando eles invadiram o Afeganistão e a população não tinha quase nada para comer, consumir ou se informar, a não ser as noticias filtradas dos jornais estatais ou nos livros doutrinários de distribuição grátis empilhados em incontáveis prateleiras […]
DE MÉDICO E DE POETAS COLECIONADORES DE FUSCAS – José Delfino

DE MÉDICO E DE POETAS COLECIONADORES DE FUSCAS – “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo. Perdeste o senso!” Não é tão fácil, meu caro, controlar o pensamento; suas interrupções, suas hemorragias agudas aos borbotões; ou arguir o que estaria por vir quando ele aparece sem censura ou aparas; ele simplesmente chega e se vai, às vezes […]
UM PEQUENO CONTO GÓTICO – José Delfino

UM PEQUENO CONTO GÓTICO – Por lá as convenções do tempo são tão repetitivas que quase passam despercebidas. As quatro estações do ano estão sempre circunscritas a períodos de seca ou cheia acompanhadas de um calor inclemente. O sol nasce de madrugada. Sempre escurece à tardinha. Folhas secas , emburradas, caídas nos chão dos parques […]
DE POEMA E ABSTRAÇÃO – José Delfino

DE POEMA E ABSTRAÇÃO – I Por si só não pesa Feito lágrima no olho Como gota de vela Arde em chama de início Como sólido desce O líquido vence E os lábios criam asas Quando em tom menor Raia na úvula rouca Insones dós arredios de dor E nela voraz e insólita A voz de um inquieto […]
DE APRENDIZADO E POLIMENTO – José Delfino

DE APRENDIZADO E POLIMENTO – O tempo parado. Bastante frio na rua. A neve já começava a cair sem pudor. E eu, sem nada saber, na sessão das 22:00h do cine-clube “Chapter”, vendo pela primeira vez na vida, um filme de John Carpenter. De repente , desaparece o som do filme e ouve-se um lacônico […]
DE POEMA (QUASE) EM PROSA – José Delfino

DE POEMA (QUASE) EM PROSA – Ah as palavras… Num vai e vem em minha mente se abrem e fecham em copas, como lábios. Como portas, como dedos de mãos que vagas imitam, em arco envergam-se. Sobem e descem às folhas de papel, se curvam se rendem e escrevem e não dizem. É […]
DE COISAS SIMPLES E COMPLEXAS – José Delfino

DE COISAS SIMPLES E COMPLEXAS – De manhã alguns oram ao acordar; outros, não. Detonam um copo d´água morna com limão para alcalinizar o organismo; engolem, quase de forma inconsciente, alguns comprimidos para que os parâmetros vitais continuem sob controle (as evidências das respostas a eles nos forçam a acreditar nisto). Devoramos tomates fatiados, ricos […]
O ANESTESIOLOGISTA – José Delfino

O Anestesiologista que não tem pulso ou capacidade rápida de decisão não sobrevive. Funciona assim: acontecendo uma parada cardíaca numa cirurgia ele tem poucos segundos pra fazer o coração bater novamente. Não interessa saber qual a causa da intercorrência. Depois de resolvido o que é emergente é que se inicia o processo de diagnóstico da […]
DE PAPO NUM SALÃO DE BELEZA – José Delfino

DE PAPO NUM SALÃO DE BELEZA – Dei um “break”, um final de manhã desses. Um pulinho no salão de Getúlio, quase ao meio-dia como de hábito, para por um basta à esta vasta cabeleira de terceira idade. A verdade é que conversa vai, conversa vem, entre os sons caóticos e atonais dos secadores de […]
DE AMOR AO CINEMA – José Delfino

DE AMOR AO CINEMA – Comecei ficar vidrado em cinema quando, por volta dos 6 anos de idade, tia Denise, solteirona até hoje, me levou ao cine Rex em Caxias , no interior do Maranhão, nas proximidades das barrancas do rio Itapecuru. Ali, duas vezes por semana, aprendi a gostar de Carlitos, Tom Mix e […]
DE ARTE DO OFÍCIO – José Delfino

DE ARTE DO OFÍCIO – Certa vez me disse um grande amigo meu, Dr. Genival Veloso de França, que a medicina outrora foi revestida de veneração quase divina e hoje causa muita contestação. Pura verdade porque praticá-la atualmente é bem diferente do que antigamente. Talvez, por conta da constante reviravolta científica e tecnológica, cada vez […]
E AÍ , SIRI ? – José Delfino

Tentamos e não conseguimos viver na Utopia, o país imaginário de Thomas Morus (1480-1535), escritor inglês, onde um governo organizado da melhor forma possível, proporcionaria ótimas condições de vida a um povo equilibrado e feliz. Vivemos sim, e hoje paradoxalmente, um mundo a sugerir uma sociedade futura caracterizada por condições de vida alienantes. Com […]
DE ALMA EMPEDERNIDA – José Delfino

DE ALMA EMPEDERNIDA – No espaço-tempo específico, onde estou, fico. E a memória vestigial, em gestação, se especifica, se sincroniza e se adapta. E sua estrutura atemporal, como um temporal, me domina. Mineral, carvão, sou. A pedra que pensa e raciocina. Há vinte bilhões de anos, num universo em expansão, essa frágil matéria que gira, […]