SOLILÓQUIO –  
Claro, a gente só descobre as coisas com o tempo. Na maioria das vezes, tarde demais. E sabe as conclusões que cheguei a essa altura do campeonato? Que não gosto de praia ou campo. Que sou um urbanita convicto. Que não me pertenço. Que sempre me persegue uma frase de Fellini numa entrevista que ele deu e eu nunca esqueci: “Velho fede”. Isso como se não bastassem os discos vertebrais desidratados, a memória de curto prazo indo pras cucuias, a irritação fácil, a falta do aeróbico fôlego tomando conta do corpo “como nunca antes neste país”, e as disfunções eréteis em uniões estáveis com os confetes farmacológicos modernos.
Em desforra, me borrifo todo santo dia com doses homeopáticas de certos aromas que só as mulheres entendem e me dão dicas, pois por mim, que sou do tempo de brilhantina “Glostora” e sabonete “Palmolive”, ainda usaria “Lancaster”. E nas minhas conversas com elas, sempre falaria de “Improviso” ( da Coty ) eis que funciona.
 
Que essa história de o tempo não apaga é papo furado. O tempo apaga tudo, como se diz, é só questão de tempo. Claro, a saudade existe. Aquela lembrança nostálgica e suave de coisas distantes ou extintas, de pessoas vivas ou mortas que passaram por nossas vidas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las. Que motivo de orgulho tenho de sobra, mas orgulho é faca de dois gumes. Implica conceito elevado de si próprio, que eu finjo que não tenho. Que defeito, tenho inúmeros. Falar demais e não fingir ouvir assunto que não me interessa, por exemplo. Que manias eu descobri no trajeto. A quase neurótica de querer tocar com charme, Bach e Villa-Lobos no meu violão é uma delas. Mas a metodologia do erro e do acerto nunca funciona comigo. E o incentivo dos amigos é infame, chocante: Desista , Zé , virtuosismo é genético. Ah! Mas qualidade eu tenho uma. Não sei nem se poderia ser considerada como tal, mas experimente falar mal de um amigo meu em público, eu estando por perto …
 
Que os sentimentos nunca poderão ser descartados. O religioso, o de admiração, o do dever, o do querer bem, o patriótico, são disposições afetivas em relação a coisas de ordem moral e intelectual. Como poderiam ser descartáveis? Por falar em patriotismo, o Brasil pra mim é tudo, aqui estão as minhas raízes e, diga-se de passagem, como deixar de amá-lo quando somos um país ímpar. Onde mais na terra se pratica a esculhambação com mais ordem e método? Que os vícios são extremamente necessários. Os meus complementam os meus hobbies, que cabem todos no meu quarto de dormir. O que seria eu sem café, chá, água mineral, fumo e álcool, que ninguém é de ferro. Que todos os meus símbolos sexuais femininos estão velhos, tristes e sozinhos. E que comprar uma playboy pra admirar a “new generation” em pelo e alimentar algum desejo libidinoso, escuso, ou suspeito, implica o constrangimento de ter de usar os óculos para perto.
 
Pra finalizar , em princípio não existe atitude feia na vida. Tudo depende de interpretação, sempre. Lembram o que a mãe de Pilatos disse no meio de toda aquela confusão? “Filhinho, deixa esse barbudo em paz e vem lavar as mãos”. Ainda hoje discutem isso. É quando Nietzsche entra no contexto salvando todos nós: “Convicção é a crença de estar, em algum ponto do conhecimento, na posse da verdade incondicionada; o homem de convicção é uma criança na idade da inocência teórica”. Ainda bem.
José Delfino – Médico, músico e poeta.
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