VÍCIO, OU MANIA? –

Como todo sujeito que se preza, devemos ter algum vício, ou mania, como queiram, desde que não prejudiquem à ninguém. Os meus, sei que não prejudicam. Se tivesse que alguém ter prejuízo, seria eu mesmo. Vou explicar.

Todos os dias (quase), gosto de tomar uma dose de whisky antes do almoço. Gelo (muito), um pouco de mineral com gás (pouca), umas “paredes”, como se dizia antigamente, e o YouTube. Este, indispensável, pois sem uma boa música nada tem graça. Antes, usava CDs, ou discos de vinil, hoje muito bem guardados (e tão bem guardados que, às vezes, procuro um e não encontro). Paciência, faz parte da programação.

Meus netos vêm sempre almoçar comigo. A primeira coisa é “desliguem o celular”, e vamos escutar uma música de vergonha. Música clássica, que eles nunca ouvem, pois preferem os barulhos que apelidam de música hoje em dia. E tento explicar um pouco sobre a música, o compositor, a orquestra. E procuro as músicas no YouTube quase aleatoriamente, pois raramente eles erram.

Numa dessas vezes, estava escutando uma execução magistral da “1812”, Tchaikovsky mostrando a derrota de Napoleão. A música é “massa”, como eles gostam de chamar. A orquestra, do Exército russo, o coro de trombetas da Marinha, e um coral magistral. Vale a pena ver de novo. Chegam os dois, e tento mostrar a eles que coisa magnífica. Mas, a música estava  no final e eu, que sempre deixo o youtube escolher a próxima música aleatoriamente, sou surpreendido por “Capricho Italiano”, uma das mais bonitas músicas folclóricas italianas, executada por Chopin, que foi original na beleza de tudo que escreveu. E isso trouxe-me a lembrança de um conterrâneo nosso, Oriano de Almeida que, em Chopin, era doutor.

Morou a maior parte da vida fora de Natal, viajou o mundo inteiro tocando Chopin (principalmente), ganhou o Concurso Internacional que fazem periodicamente em Varsóvia, gravou bastante e veio terminar a vida aqui. Era muito ligado à  meu tio Vivi (Veríssimo de Mello) e por aí nos aproximamos. Diogenes da Cunha Lima, que era o Reitor e teve a feliz ideia do “Memória Viva”, fez com que Oriano fosse gravado, especialmente suas composições, algumas lindas. Foram de vinil, dos quais possuo quase todos, perdidos na mistura desorganizada que adoro.

Falei sobre ele, e fiz um teste com o YouTube. Será que eles teriam alguma coisa de Oriano? Procurei, e encontrei muita coisa, inclusive muitas de suas próprias composições, interpretaras por ele e outros pianistas. E aí os fiz escutar Oriano por algum tempo. Valeu a pena.

Mas, ao mesmo tempo, me trouxe uma recordação chata. Consegui na Universidade do Maine, através do programa “Companheiros das Américas”, que associa o RN ao Maine, que ele fosse convidado com Professor e Pianista visitante, durante seis meses, para dar algumas aulas e fazer execuções. Ele vibrou com a idéia, começou a se preparar e eu a cuidar da burocracia. Poucos dias antes da viagem, me chega ele na minha sala com um ar triste, preocupado, de quem tem um problema serio. Assustado, perguntei o que havia. Algum problema serio? Confirmou. Disse que não podia ir mais ao Maine por que tinha medo de viajar de avião. Tentei convencê-lo de que aquele medo desapareceria na hora que embarcasse, que ele já havia viajado muito de avião, sabia que, racionalmente, não havia justificativa. Concordou comigo, já tinha pensado em tudo isso, lamentava muito pois sabia que ia adorar, mas o medo era maior do que o entusiasmo. E ai o problema foi meu; justificar o cancelamento da viagem, devolver a passagem e desmanchar todo o programa. Havia avisado Oriano que iria dizer a verdade, ele concordou, e foi o que disse. O pessoal entendeu.

 

Dalton Mello de Andrade – Escritor, ex-secretário da Educação do RN

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