UMA NAÇÃO FRATRICIDA

Um dos conceitos basilares do pensamento e das obras de Câmara Cascudo é aquele dos mais citados, sintetizado na sua frase ícone “o melhor do Brasil é o brasileiro”, resultado híbrido da miscigenação de três raças: o índio, o negro e o branco. Depois chegaram os colonos alemães, italianos e outros mais. Essa mistura foi classificada por Gilberto Freyre como uma espécie de democracia racial. Democracia não muito democrática, diga-se, pois nesse barco o homem branco sempre foi dono do timão. Por sua vez, Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro emblemático “Raízes do Brasil”, afirma que nós somos um povo que age e reage movido pela emoção e não pela razão, sinal de que teríamos a tendência, uma simples tendência, de sermos um povo cordial.

Observando a realidade histórica, parece-me que não é assim. Objetivamente somos um povo dado a desconsiderar o outro, à violência e, em alguns casos, ao extermínio do opositor. Logo no início da colonização, as vítimas dessa senha foram os povos indígenas. Exemplos não faltam: a escravização dos nativos, principalmente pelos bandeirantes, tão enaltecidos na historiografia oficial, só recentemente abordada por algumas poucas e parcas revisões.

A escravidão negra é um capítulo à parte. O que há de cordato nisso? Ao contrário, é a expressão máxima da ganância e da maldade humana. No Brasil, o escravo era um ser humano reificado, transformado em coisa. O artigo 42 da Consolidação das Leis Civis do Império do Brasil era claro: “Na classe dos bens móveis, se encontram os semoventes [animais de serviço], e na classe dos semoventes, entram os escravos”.

Ao se fazer um ligeiro levantamento sobre as lutas e revoltas acontecidas desde o Brasil Colônia até o século passado, evidencia-se um povo fratricida. Nos séculos XVI e XVII tivemos catorze guerras internas; no século XVII, doze; no século XIX, trinta e nove; no século XX, cinquenta e duas. Na minha podre visão, isso não revelaria um bom e urbano caráter. No meu paupérrimo entender, isso não indicaria um povo cordato.

Outros fatores corroboram a minha destoante percepção. Que povo aceita de cabeça baixa que os milicianos e traficantes dominem uma cidade como o Rio de Janeiro? Outrora o Rio era a Cidade Maravilhosa, a Belacap quando deixou de ser a capital do país. Era o cartão de visita que o Brasil apresentava ao mundo, como referência de beleza, exuberância e alegria. Hoje os índices de criminalidade são alarmantes. Em bairros inteiros (com predominância das favelas) a polícia é impedida de entrar. Só lá chega por caminhos abertos pelos blindados “caveirões” e em batidas coletivas, com muitas viaturas. Uma paulista, minha ex-aluna, foi assaltada à plena luz do dia, na Av. Rio Branco, uma das principais artérias cariocas. Após o que, socorrida por um senhor, esse lhe disse, sem nenhuma empatia: “Deu bobeira, minha filha, estava dando pinta de que era turista”.

Nada muda se o cenário for o nosso Rio Grande do Norte. Diariamente a imprensa noticia crimes de morte, tráfico, explosões de bancos e postos de gasolina, assassinatos de policiais e ex-policiais e, infelizmente, feminicídios, estupros etc.

Não bastasse esse descrever dantesco, agora temos crimes de outros espectros: os crimes de ódio e de natureza política. Famílias que ficam de lados opostos brigam na defesa e/ou ataque desse ou daquele candidato. Passeatas e caravanas não autorizadas pelas autoridades municipais, impedem o ir e vir dos veículos e das pessoas. Acampamentos em vias públicas, também não autorizados, já fazem parte do panorama político. Porém o mais grave é o comportamento intimidativo. Esse absurdo, que seria cômico se não fosse trágico, já atravessou nossas fronteiras. Recentemente, um empresário brasileiro, que contribuiu com 7.4 milhões de reais para a campanha de diversos aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL), foi hostilizado nas ruas de Nova Iorque, por uma bolsonarista que o chamava de ladrão, enquanto filmava o seu destempero. Das duas uma: a dita cuja não sabia o que estava fazendo ou era burra mesmo. Eu fico com a segunda opção.

Na verdade, é urgente lutarmos para voltarmos a ser o melhor do Brasil. Cascudo sempre tem razão.

 

 

 

 

 

 

Tomislav R. Femenick – Jornalista e historiador

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