UM SENHOR JUIZ – 

Perdemos, há 56 anos, o juiz Eutiquiano Garcia Reis. Cassiano Arruda deu a notícia.

Exerceu a magistratura em Nova Cruz, Mossoró e Natal. Foi um intelectual de nobreza, jurista e amante da boa música. Era gordo, vestia-se com elegância, inspirava admiração e respeito. Valorizava – e era valorizado – a sua função em todos os atos.

Certo dia, recebeu, em sua casa para almoço, o seu amigo criminalista João Medeiros, que faria defesa de um réu em um júri. Iniciado o julgamento, o advogado toma a palavra: “Por favor, Excelência, peço…”. Eutiquiano interrompe-o e diz: “Senhor advogado, a um juiz não se pede por favor. O que entender de direito, requeira”. Terminado o julgamento, o magistrado abraçou o advogado magoado, desculpando-se: “Esse é meu jeito de ser juiz”.

Leitor em todo o seu tempo disponível, estava lendo, no trem para Natal, quando um passageiro pergunta-lhe:  “O senhor é doutor Eutiquiano?”. “Não”. “O senhor é todinho o juiz de Nova Cruz”. “Não”. “Como é o seu nome?”. “Não sei”.

Nei Marinho espalhava uma anedota dele, segundo a qual em Nova Cruz tivera o melhor e o pior promotor do Estado. O melhor foi um vendedor de tecidos, Diogenes da Cunha Lima (pai); o pior foi o bacharel Nei Marinho. A razão do fato negativo: Vicência e Basta Preta, que vendiam ternura na rua do Sapo, haviam dado uma surra numa colega, que lhe produzira ferimentos leves. A vítima perdoou. E o bacharel promotor também. A promotoria não pode perdoar… Quando juiz em Natal, meu pai disse-lhe que queria visitá-lo. Qual o endereço? Ele respondeu: “É fácil. Você sobe pelo Baldo, toma a rua à esquerda até ver uma moça loura na janela. A minha casa é a vizinha.”

A rua Tavares de Lira era ponto chique da cidade. O nosso personagem estava lá quando foi abordado por conhecido golpista que gesticulava largamente. Do outro lado da rua, os amigos comentavam que ele não iria sair dessa. Depois viram Eutiquiano tirar duas cédulas da carteira e entregar ao meliante. Um deles comentou que tinha apostado como ele não seria enganado. Ele explicou: “Eu vou ao teatro e pago. Aquele senhor fez uma bela apresentação exclusiva. Eu era toda a sua plateia…” Quando ocorreu a sua transferência para a capital, os seus jurisdicionados admiradores ofertaram-lhe um relógio de ouro da marca Tissot. Recusou: “Agradeço, mas autoridade não recebe presentes”. Meu pai não se satisfez: “Me desculpe, mas aqui o senhor não tem mais qualquer autoridade”. Padrão de juiz, Eutiquiano Garcia Reis merece uma biografia.

Quem a fará?

 

 

 

 

 

 

Diogenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

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