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Violante Pimentel

 

Um homem erudito é aquele que conseguiu acumular na sua cabeça e na sua memória, inúmeros conhecimentos, oriundos de outros cérebros. A erudição é uma espécie de peruca, muito valiosa, carregada de conhecimentos brotados de vários cérebros privilegiados, mas estranhos ao cérebro do seu dono. A erudição nada tem a ver com a inteligência inata a cada pessoa. Também, nada tem a ver com a Sabedoria. O raciocínio rápido e a visão caleidoscópica das coisas também não brotam da erudição. A inteligência, verdadeira mãe da Sabedoria, é um dom divino, com o qual Deus, o Criador, ornamentou o cérebro da sua obra prima, a criatura. Encontramos no nosso caminho verdadeiros sábios, que nem sequer tiveram chance de aprender a ler. Há analfabetos sábios, assim como há certos “doutores” completamente analfabetos, com ideias atrofiadas e falta de visão das coisas. A “peruca” de conhecimentos, usada pelo erudito, é um disfarce para a sua falta de “cabelos”, ou seja, de conhecimentos próprios.

Assim, era o Abade Malaquias: Um homem erudito, com uma “peruca” cheia de conhecimentos, oriundos de outros cérebros, na sua cabeça. Lia muito, mas não raciocinava rápido, nem escrevia nada que brotasse do seu próprio pensamento.  Sabia a Bíblia  “de cor e salteado”. Recitava os Salmos, e deixava as pessoas que o ouviam completamente fascinadas com a sua falsa inteligência. Tudo não passava de uma grande “decoreba”. Dirigia a Abadia de um Reino, há mais de vinte anos. Como Abade, era uma espécie de Bispo, Monge, e Orientador Espiritual. Uma alma bondosa, que só fazia o bem.

Num certo dia, o Rei resolveu fazer algumas mudanças no Reino, começando pela substituição do antigo Abade. Para justificar o ato, comunicou-lhe, oficialmente,  que o mesmo seria submetido a um teste de conhecimentos gerais, em um ato público, no domingo vindouro, às nove horas. Conforme o resultado do teste, ele continuaria, ou não, dirigindo aquela Abadia.

O Abade Malaquias entendeu logo que esse teste seria, apenas, um pretexto, para afastá-lo de suas atividades, como Orientador Espiritual da Abadia.

Muito triste com a comunicação recebida, o religioso sentiu-se vítima de uma grande injustiça. Bastante aflito, passou a fazer vigília e a orar com fervor, de dia e de noite, pedindo a Deus que o ajudasse, para que se saísse bem na sabatina a que seria submetido.

Antônio Bento, o humilde sacristão da Abadia, tinha pelo velho Abade Malaquias um grande apreço, e o respeitava como a um pai, pois, ainda criança, ao ficar órfão, foi por ele acolhido naquela santa casa, como se fosse um filho, encontrando ali uma verdadeira família.

Mesmo sendo muito pouco letrado, o sacristão era possuidor de uma Inteligência privilegiada.  Tinha o raciocínio rápido, presença de espírito, e resposta na ponta da língua para qualquer pergunta. Era dotado dessas qualidades inatas, o que não acontecia com o Abade Malaquias, apesar de toda a sua erudição.

Percebendo a aparência abatida do velho Abade, o sacristão, preocupado, quis saber o que estava acontecendo. Foi até aos seus aposentos e indagou-lhe o motivo da sua tristeza, das noites em claro, e das lágrimas disfarçadas. O Abade lhe contou, então, que, no domingo vindouro, às nove horas, o Rei iria submetê-lo a um teste de conhecimentos, em audiência pública, e se ele não acertasse as respostas, perderia seu lugar de Abade e Orientador Espiritual daquela Abadia. Estava muito nervoso e temia fracassar no teste.

Impulsivamente, o sacristão Antônio Bento disse-lhe que, mesmo correndo o risco de se prejudicar, estava decidido a ajudá-lo, poupando-o do constrangimento a que seria submetido. Planejou, então, comparecer, em seu lugar, diante do Rei, para ser sabatinado. Iria disfarçado, usando a indumentária do Abade, inclusive seu grande chapéu, que lhe cobriria parte do rosto. Mal se apercebendo do pecado venial, que ele e o sacristão iriam cometer, o Abade Malaquias não teve forças para recusar a ajuda do seu protegido. Como diz o ditado, “barco perdido, bem carregado”.

Finalmente, chegou o domingo, e no local e hora marcados, o sacristão Antônio Bento, disfarçado do Abade Malaquias, apresentou-se diante do Rei e da sua Corte, para ser sabatinado. De cabeça baixa e mãos postas, ouviu o Rei anunciar o motivo daquele ato e da inquirição. O pátio do palácio real estava lotado. Foi iniciada, então, a esperada sabatina. Seriam três perguntas eliminatórias.

O Rei pediu silêncio total ao público, e iniciou as perguntas.

Primeira pergunta:

– Abade Malaquias, quantos sacos de estopa são necessários para transportar o Monte Sinai para outro local?

Sem parar para pensar, o suposto Abade Malaquias respondeu:

– Se conseguirem um saco de estopa do mesmo tamanho do Monte Sinai, bastará um saco!!!

Ouviu-se a voz do Rei, eufórico e surpreso:

– Impressionante! A resposta está correta!!!

Os aplausos se fizeram ouvir.   Passaram-se alguns minutos e o Rei anunciou a segunda pergunta:

– Abade Malaquias, qual é o meu preço? Quanto eu valho em moedas?

Novo silêncio. Depois de alguns segundos, ouviu-se a voz decidida do sacristão, caracterizado de Abade, responder:

– Como Vossa Majestade é um Rei cristão, o vosso preço não pode ser maior do que trinta moedas, o preço de Jesus Cristo!!! Vossa Majestade vale trinta moedas!!!

Perplexo, o Rei, exultante, falou:

– É isso mesmo! A resposta está correta! Eu sou um Rei cristão e não posso valer mais do que Jesus Cristo! Eu valho trinta moedas!

Novos aplausos estrondaram.

Por fim, o Rei anunciou a terceira e última pergunta:

– Abade Malaquias, o senhor vai me dizer, agora, em que é que eu estou pensando?

 Adivinhe meu pensamento!

O suspense aumentou ainda mais. A pergunta foi capciosa, para derrubar mesmo. Afinal de contas, ali não estava nenhum adivinho!!!

O sacristão Antônio Bento, perfeitamente caracterizado do Abade Malaquias, demorou alguns segundos, mas não se intimidou. Com voz decidida, respondeu:

– Vossa Majestade, neste momento, está pensando que está falando com o Abade Malaquias! Este é o pensamento de Vossa Majestade!

O Rei, admirado, e dando-se por satisfeito, proclamou:

– Todas as respostas do Abade Malaquias estão corretas! Por esse motivo, proclamo a sua permanência, como Orientador Espiritual desta Abadia, em caráter perpétuo!

Os aplausos estrondaram e o povo exultou de alegria.

Eis um Pecado Venial, praticado por uma causa justa. Deus usou o Sacristão Antônio Bento como instrumento, para atender às preces do Abade Malaquias, permitindo-lhe que permanecesse naquela Abadia, como Orientador Espiritual, até o final dos seus dias.

Violante PimentelEscritora

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