UM JURISTA INTERNACIONAL –

Falar de Ubirajara Targino Bôtto, é lembrar da vetusta Faculdade de Direito do Recife – a Casa de Tobias Barreto – onde se formou em Direito em 1955. É percorrer o santuário cultural da Europa, em cujo continente frequentou as melhores universidades durante mais de 10 (dez) anos, notadamente em Paris, Strasburg, Madrid, Coimbra, Salamanca, Londres, Sorbone, Genebra, Haia, dentre tantos outros celeiros do saber do Velho Mundo.

Ubirajara era um esbanjador de coisas boas da vida: alegria contagiante e bom humor permanente; espírito libertário, irrequieto e universal; apegado ao ser e ao saber; longe das amarras da ganância do ter; amante das belas artes e do belo sexo; cultor das amizades fraternais e desafiadoras do tempo; conversador agradável e persuasivo; conferencista e orador sereno; professor fecundo e de estilo límpido; advogado culto, mas sem rebuscados. Enfim, um sábio amante das letras, poliglota, pensador sem as peias e limitações que garroteiam os medíocres e pobres de ideias. Ao mesmo tempo, um homem simples, sem preconceitos e profundamente solidário e de convicções inabaláveis e princípios éticos arraigados.

Ubirajara não nasceu para o convencional, o médio, o mais ou menos; plantou sementes internacionais e colheu frutos universais. Rasgou o véu da ignorância e construiu catedrais à verdade e ao intercâmbio do conhecimento sem fronteiras. Apesar de cidadão do mundo, seu nome é brasileiríssimo, indígena, com significado em tupi-guarani de “senhor das florestas ou senhor da lança”.

Esse homem extraordinário, brilhante, gestor público, humanista, diplomata nato, era filho de Ananias Targino Ferreira Pontes (meu tio avô) e de Maria da Penha Bôtto Targino, nascido em Araruna-PB, no então distrito de Cacimba de Dentro, no dia 31 de março de 1932, tendo falecido em 05 de setembro de 1984, com apenas 53 anos de idade.

Na juventude, talvez influenciado pelos pais católicos fervorosos e com sacerdote na família (padre e deputado Francisco Targino Pereira da Costa), pretendeu seguir a vida clerical no Convento dos Irmãos Maristas de Apipucos – Recife/PE, onde forjou a sua personalidade, mergulhou no mundo dos clássicos, aprofundou-se na filosofia, história e teologia, além de consolidar a sua sensibilidade e crescente humanismo. Nessa trajetória religiosa adotou o nome de Irmão Odilon Gonzaga.

Desistindo da vida religiosa, concluiu os estudos secundários no Liceu Paraibano e concentrou as suas energias e notório talento na preparação para a carreira jurídica, onde pontificavam, com brilho, seu tio (deputado federal Antônio Bôtto) e seu avô materno (Des. Bôtto de Menezes).

Em 1955, tendo como professores figuras legendárias do naipe de Pinto Ferreira, Aníbal Bruno, Torquato da Silva Castro, Joaquim Amazonas, Gentil Mendonça, Abgard Soriano e outros do mesmo nível, concluiu o então cobiçado Curso de Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais da famosa e paradigmática Faculdade de Direito do Recife, consagrando-se, inclusive, o orador oficial da turma.

Dentre tantos futuros luminares do Direito, teve como colegas de turma os ilustrados juristas potiguares Jurandyr Navarro da Costa (professor, Procurador do Estado e escritor), Araken Mariz de Faria (advogado, professor e Desembargador Federal), José Fagundes de Menezes, Amaury Pires de Medeiros, José Wanderley Carvalho e os paraibanos Rivando Bezerra Cavalcanti (desembargador estadual, professor, e governador interino), Almir Carneiro Targino da Fonseca (desembargador e governador interino), Ivandro Cunha Lima (advogado, tabelião e senador), Sindulfo Santiago (deputado estadual, secretário de estado, escritor e acadêmico), Amir Gaudêncio (Procurador Federal e Senador da República), Raimundo Asfora (Procurador do Estado, grande tribuno, deputado federal e vice-governador), Geraldo Ferreira Leite (desembargador estadual, professor e doutor em Direito), etc.

Em 1958, com o slogan “o candidato das novas gerações”, sob os auspícios do antigo PSD, ainda no verdor dos anos, tenta a eleição para deputado estadual/PB. Consegue boa votação, porém sem concretizar o sonho político, abandonando-o definitivamente pela advocacia e magistério superior.

O jurista enfocado, que tinha além das qualidades de jurisconsulto e lente de Direito, ostentava largos conhecimentos de antropologia, sociologia, história universal e geopolítica.

Colecionou diplomas, títulos, pergaminhos, honrarias e reconhecimentos nacionais e internacionais. Em síntese apertada: Curso de Administração pela Fundação Getúlio Vargas, Curso de Mestrado em Direito Internacional na Universidade de Madrid-Espanha, como bolsista do Instituto Ibero-Americano, Curso de Doutorado em Direito Internacional Público, na Faculdade de Direito e de Ciências Políticas da Universidade de Ciências Jurídicas, Políticas e Sociais de Strasburg-França, como bolsista da CAPES/MEC (mediante rigorosa seleção). Em junho de 1979, defendeu, com pleno sucesso, a tese de doutorado, intitulada: “L’utilisation dês eaux communes à de fins autres que La navigation, dans Le Droit Internacional General Et latino-ameriacan: Le cãs Du à Itaipu (Brésil)” (o uso de águas comuns, para além de navegação no Direito Internacional Geral e Latino Americano no caso da Itaipu Binacional) (Brasil).

Profissionalmente, foi radialista (ainda muito jovem), Auditor do Tesouro Estadual, Procurador Federal, Procurador-Chefe nas Delegacias Regionais do INSS dos estados do Espírito Santo, Bahia, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, bem como professor de Direito Internacional Público da Universidade Federal/PB, Universidade Estadual/PB e Institutos Paraibanos de Educação.

Escreveu trabalhos jurídicos-científicos, teses, dissertações e monografias. Alguns publicados e outros não.

No auge de sua vida pública foi Assessor do Ministro do Trabalho, preliminarmente, como Secretário da Comissão de Direito do Trabalho e, posteriormente, substituiu o eminente doutrinador do Direito do Trabalho Arnaldo Susskind, como representante do Brasil no Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra (Suíça).

De Ubirajara Targino Bôtto resta hoje a saudade de um grande amigo, espírito iluminado, inteligência singular e nome inesquecível nos corações cativados das amizades imorredouras que soube cultivar com lealdade ímpar.

A memória e lembrança da sua marcante trajetória estão preservadas ad eternum em ruas e escolas de João Pessoa-PB, com seu nome, e, ainda, como patrono da cadeira nº 13 da Academia Brasileira de Cerimonial e Protocolo, da qual o seu não menos ilustre irmão, Itapuan Bôtto Targino é guardião e titular, além deste tê-lo imortalizado no livro “Dois Irmãos: Um Mesmo Ideal”.

No que me toca, o eternizei na minha alma como irmão de fé e o elegi, por ato de justiça, um dos referenciais das letras jurídicas brasileiras, inclusive indicando-o, sem nenhum favor, como patrono da cadeira nº 25 da Academia Paraibana de Letras Jurídicas, para a qual fui eleito por generosidades dos juristas paraibanos, que comigo cantam osana a Ubirajara, o emérito internacionalista, sem nenhum demérito a outros do mesmo quilate moral e intelectual.

 

 

 

 

José Adalberto Targino Araújo – Procurador do Estado e membro da Academia Brasileira de Ciências, Morais e Políticas

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