UM BAR CHAMADO “É NOSSO” –

Um olhar de soslaio para a fotografia estampada no final deste texto causa estupefação ao leitor desavisado. Como aquela tapera rústica pode ter sido um dos pontos escolhidos, pela fina flor da sociedade de Natal, para encontros e papos descontraídos, nas manhãs de sábado, nos anos 70 e 80?

Pois bem, o tal recanto esdrúxulo que marcou época postava-se na linha demarcatória das praias Areia Preta com a antiga Miami Beach, próximo ao também extinto Iara Bar. O casebre rústico de simplicidade franciscana oferecia a cerveja mais gelada da cidade, os mais apetitosos caranguejos e petiscos outros a preços honestos.

Chamava-se “É Nosso”. Não possuía placa indicativa, pois o nome do “estabelecimento” estava pintado, à cal, na parede ao lado da porta de entrada, abaixo da janela que descortinava o mar para os clientes. O advogado Cleto Barreto dissipou minha dúvida, quando a ele recorri tentando descobrir o nome do proprietário do bar. De concreto, garimpei apenas que o gajo atendia pelo apelido de “Caindão”.

Frequentar o “É Nosso” era a extravagância bem-comportada de muitos senhores respeitáveis da sociedade natalense. Impossível nomear a todos os que sentaram naqueles bancos grosseiros circundando mesas não menos toscas.

Na aparente desorganização do ambiente prevalecia certa postura. Primeiro, a observância da regra que determinava que o valor da despesa fosse dividido, equitativamente entre os presentes, sem qualquer privilégio ou concessão; a outra, o respeito à figura do presidente da mesa, o médico Paulo Bittencourt – somente ele dispunha da regalia de sentar numa cadeira.

Rodeavam-no empresários, profissionais liberais, professores, jornalistas, funcionários públicos, autoridades governamentais, políticos, literatos, uma gama de personalidades diversificadas tanto na formação quanto na procedência. Naqueles sábados os acontecimentos da semana no estado, no país ou no mundo eram expostos e dissecados em discussões acaloradas.

Lembrar o “É Nosso” é lembrar Marcelo Carvalho, Genibaldo Barros, Pedro Coelho, Afonso Laurentino, Jarbas Bezerra, João Ururahy, Mario Roberto Leitão, Alvamar Furtado, Zila Mamede, Álvaro Alberto, Haroldo Bezerra, Marcos Santos, Geraldo Furtado, José Valdécio e outros tantos frequentadores contumazes ou esporádicos.

Pelas mesas do “É Nosso” passaram José Mindlin, João Cabral de Melo Neto e outras personalidades que visitaram Natal. Conduzidos pelas mãos de Genibaldo compareciam candidatos ao governo do Estado, em época de campanha. A confraria era um primor de democracia. A todos acolhia sem reserva ou preconceito, bastando ser convidado ou amigo de algum dos integrantes do grupo.

O papo não passava do meio-dia, horário em que Marcelo convidava Paulo para almoçar em sua casa. Procedimento repetido, ininterruptamente, semana após semana. Segundo Marcos Santos “embora fosse uma prática consagrada, caso não houvesse o convite formal de Marcelo, Paulo não compareceria à casa do colega”.

O crescimento da capital extinguiu o boteco. Porém, a confraria, numa apropriação indébita, levou o nome tradicional para a sede da Asfarn, na Ponta do Morcego, na Praia do Meio, e ali fincou nova base. Em seguida, para o Hotel Vila do Mar, onde definhou até se extinguir. Sim, em Natal existiu um bar chamado “É Nosso”!

 

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor

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