NARCELIOJosé Narcelio Marques Sousa

Nereida ao completar quinze anos de idade fugiu de casa seduzida por um representante de drogas e foram viver em Quixeramobim, no coração do Ceará. Na aridez daquela região, Hermes, o sertanejo conquistador, possuía três farmácias de manipulação, o que lhe posicionara como um homem de posses. Quando pensou haver engravidado Nereida, Hermes resolveu desposá-la para não deixar seu primeiro filho nascer bastardo. Fora alarme falso. Trinta e dois anos era a diferença de idade entre os dois, e aquilo começou incomodar Nereida. Passados cinco anos da união, Hermes amanheceu morto sem razão nem sintomas aparentes. A condição de esposa virtuosa afastaram as suspeitas sobre o envolvimento da jovem naquela morte.

Viúva, Nereida, em plena juventude, bem de finanças e com gana de se mostrar ao mundo retornou antes à terra natal para rever os seus. Durante cinco anos fora degradada pelos pais. Em Princesa Isabel, cidade do semiárido paraibano, encontrou a irmã Atena com sete filhos. O único filho homem com a mesma idade que a sua quando abandonou a família. Um convívio de três meses despertou nela paixão avassaladora por Atlas. Após seduzir o sobrinho com promessa de vida cheia de amor e aventuras, fugiram. Daí surgiu o ódio mortal de Atena pela irmã caçula, pois Nereida ao encantar o filho, usurpara a esperança de futuro melhor para ela e suas filhas.

Atlas e Nereida geraram três filhas. As duas primeiras, Têmis e Higia, em decorrência de consanguinidade padeciam vida vegetativa. O nascimento de Afrodite, prima do pai e sobrinha-neta da própria mãe, trouxe alento para o casal amenizando o desgosto decorrente do nascimento das crias especiais. A habilidade comercial de Nereida fez o negócio herdado prosperar. Prevalecia a paz naquele lar.

Durante dez anos vivendo à sombra da tia-esposa, Atlas, agora homem feito aos 25 anos, descobrira o mundo e apurara o gosto pela vida fácil e fútil. Logo surgiram boatos de romances e traições para minar a união aparentemente estável dos dois. A gota d’água fora o envolvimento de Atlas com Diana, funcionária antiga de uma das farmácias da empresa. Fato agravado diante da possibilidade de a moça haver engravidado dele. Achando-se velha e rejeitada, Nereida entrou em parafuso e aflorou aquele já conhecido desejo de justiçar. E ela se perguntava: “Se deu certo uma vez, por que outra vez não dará?”. O mesmo procedimento usado para eliminar Hermes seria testado agora em Atlas, ingrato e insensível sobrinho-marido.

Foi fácil preparar o veneno de ação instantânea na farmácia de manipulação. Colocado na terrina de sopa de feijão, o jantar predileto do esposo, era só esperar ele chegar à casa de madrugada e se empanturrar de comida. O plano falhou porque Afrodite ao acordar no meio da noite foi à cozinha, e encontrando a iguaria, quis experimentar dela. Bastaram poucas colheradas para o efeito letal agir e a criança desfalecer. Atlas, ao chegar, encontrou a filha com o rosto dentro do prato de sopa e logo imaginou o ocorrido. Pôs a criança no carro e em louca disparada saiu em busca do hospital mais próximo. Ao cruzar um sinal fechado foi abalroado violentamente e ambos morreram antes de obter socorro. Nereide, desequilibrada emocionalmente e arrependida, confessou seus crimes. Depois de julgada foi transferida para um presídio feminino de Fortaleza, onde permanece até hoje.

Assim como nas tragédias gregas da antiguidade, esta história guarda temática idêntica, embora com a circunstancial diferença de estar protagonizada num cenário tipicamente nordestino.

José Narcelio Marques Sousa é engenheiro civil[email protected]

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