SOBRE AMIGOS, CARINHO E RECONHECIMENTO –

Quando somos pegos de surpresa por gestos de carinho, amizade e reconhecimento, o que nos resta é retribuir com carinho, amizade e reconhecimento, afinal, não é todo dia que recebemos um livro em que fazemos parte, neste caso, com páginas dedicadas as impressões sobre minhas crônicas.

A seguir, ofereço aos meus caros leitores o texto, na íntegra e em primeira mão, do Livro Estética, Política & Conservadorismo, páginas 117-121, do querido escritor Alexsando Alves, ensaísta e crítico literário dos melhores.
Ah, apenas como registro, por estes dias acontecerá o lançamento presencial do livro.

Volto com a data, pois eu estarei lá.

 

UM CAFÉ COM MEDUSA E COM APOLO 

(algumas impressões sobre a crônica de Flávia Arruda)

Alexsando Alves

É quando caminho pela cidade.

Uma sensação vazia, como que perdida em mim; procurada, repleta de olhares, devaneando. Me param carros, e pássaros que não vejo tentam interpretar minha solidão em meio ao caos urbano, fuligem e palavras que soam como polifonia barroca herética, da desordem que organiza e que gera a paz. Como amo as ruelas e os becos da cidade. Cada escombro, pedaços que faltam em mim; cada buzina, cacofonias, estridências do aperreio e da tristeza, que me partem, me dividem e me completam, dentro desse organismo que é alheio até a si próprio. Centro da cidade. O que é mais absurdo e amado em ti, é o mar de solidões que lado a lado caminham em tuas calçadas. Solidão do encontro, solidão da perda, solidão do atravessar a rua no sinal aberto, correndo da morte quando se optou por encontrá-la. Solidão do voltar para casa no ônibus lotado de solidões revividas. No mesmo horário, no mesmo ônibus, todos os dias, as mesmas solidões, programadas para encontraram-se, nos silêncios gritados dos cansaços. Eu caminho pela cidade. Alma solitária acompanhada de milhões de outras almas solitárias, cada uma, cada um, só.

Que olhar pode falar sobre esse abandono?

Imagino tudo o que antecede esse caos.

A paz de uma manhã, onde despertos, sentamos à mesa para um café. Para lermos um jornal ou revista virtual, pintando as primeiras tintas do dia. O cheiro do café é irmão do cheiro das manhãs. Em sua tranquilidade, são irmãos. Em seu vapor são irmãos de personalidades opostas. Porém são irmãos. A manhã fria e o aroma quente do café. Como combina esse aroma com a luz da manhã. Quem sabe, e isso é delírio desse escriba, Alphonsus de Guimaraens, não estava absorto assim quando disse “Tem cheiro a luz, a manhã nasce!” Imagino que uma manhã sem café, não é uma manhã que valha a pena!

E sabem o que tem aquele aroma de café? Café quentinho, gostoso? Uma crônica. E uma boa crônica precisa ter esse aroma de conforto que uma manhã com café oferta.

Sem nos desvencilharmos das preocupações, a crônica pode nos fazer voar! E também pode nos fazer pousar em uma realidade cruel.

Porém o olhar de um cronista, este poeta dos acontecimentos que passam despercebidos no caos da cidade, seja sobre um mendigo, seja sobre o C160 Compressor, ou mesmo sobre uma xícara de café! O cronista percebe no detalhe, no fractal, seu motivo de espanto ante a existência.

Flávia Arruda (1971), é cronista do Jornal de Fato, de Mossoró e do blog Ponto de Vista, de Nelson Freire. Suas crônicas contêm a leveza e a graça – e o cuidado, de uma escriba perspicaz. Seus pontos de vista são delicados, porém sempre certeiros, como os passos de uma bailarina: firmes e delicados. Mulher forte, é pedagoga, e são admiráveis em seus textos, a simplicidade e a verdade que deles emanam. Não falam através de imagens forçadas, nem sentimentalistas. Não há pieguismo. É o olhar de uma mulher. Pleno olhar de mulher. Tudo parte de um ponto de vista cuja agudeza se mescla a alma feminina para ofertar-nos seu café matinal. E quando tomamos, nos tornamos cúmplices desse olhar pleno de verdade e de poesia.

Flávia Arruda tem esse esmero na captação do real que torna nosso início do dia um momento em que se mesclam, no íntimo do leitor, uma tranquilidade que traz segurança com uma inquietação que se insinua através do mínimo, do detalhe. É um violino que executa, em suave pianíssimo, acordes de sétimas diminutas, que acompanham uma doce melodia de flautas. Ela é pastoral e inquieta. Há um bom gosto na escrita dessa cronista, que ordena! Que coloca tudo arrumado em seu lugar.

A embriaguez que há nas palavras de Flávia Arruda é apolínea. Há uma luminosidade e uma racionalidade de expressão, mescladas a uma simplicidade estilística e a uma busca pelo sentimento mais límpido ao invés do rebuscamento.

Linha após linha de suas crônicas parece-nos estar diante de esculturas bem definidas, há uma sinestesia entre a pele e o olhar, porque sentimos uma presença delicada de intensa alvura, lisa, ebórea. Isso magnetiza nossa atenção. Flávia Arruda prende-nos com extrema simplicidade e delicadeza. Diria mesmo que é uma delicadeza irresistível.

Se Apolo se faz presente, também Medusa senta-se conosco. E nós a encaramos. E aí está uma outra faceta presente nessas crônicas. Ela petrifica-nos. Porque a beleza fascina exatamente a esse ponto: ela atrai nossa atenção, magnetiza momentos, para o tempo. Quantas vezes estamos lendo suas crônicas, e chegam-nos imagens completas de cores, sabores e sentimentos, e paramos! Petrificamos nosso momento diante dos sussurros imagéticos coloridos que pintam-se em nosso íntimo a partir dessa tranquila embriaguez apolínea. São textos excelentes para iniciarmos nosso dia. Uma delicada embriaguez matinal, que casa com o que há de mais íntimo, sussurrante, com o que acaba de amanhecer, com o que acaba de ser preenchido de irradiante alvorecer. É tudo tão fresco, tão manhã.

A crônica de Flávia Arruda é perfeitamente burguesa. É para o cidadão, porque brinda seu início de dia com doces sensações; é para a cidade, porque é seu contraponto. A ferrugem da cidade, sua feiura, sua sujeira, são contrabalançados com graciosidade e leveza. Por isso que é mais fácil suportarmos o dia após sermos preenchidos com a beleza dessas crônicas. É um antídoto diário. Ajuda a transfigurar o cansaço das calçadas e alturas do centro da cidade.

A crônica de Flávia Arruda é fragrantemente burguesa. Tem o perfume de uma vida bem realizada, exala bons odores. É uma bossa nova carioca em terras potiguares. Tão apolínea quanto. E está aí. Se eu fosse escolher uma trilha sonora para essas crônicas, seria Stan Getz (1927-1991), João Gilberto (1931-2019), Toquinho (1946) e Vinícius
(1913-1980), João Bosco (1946). Tem esse balanço ondulante de águas salgadas que espumam na praia que a bossa nova sempre evoca-nos. Ao mesmo tempo em que cintila em relaxante despudor. Que felicidade é termos uma cronista deste porte. Obrigado, Flávia Arruda, por inscrever-se nas solidões urbanas, por onde a cada dia encontram-se, sem encontrarem-se, outras solidões.

 

 

 

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora

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