SERES ORGÂNICOS –
Os animais, racionais ou não, seguem o seu inexorável curso: nascem, crescem, se reproduzem. E morrem. É a ordem natural das coisas no planeta terra. Os vegetais, nas suas demandas de sobrevivência e reprodutibilidade, são menos complexos que aqueles. Presos às suas raízes físicas eles sobrevivem, de forma passiva. Assim, modulam seus ciclos biológicos às custas da clorofila, da água e da luz. Também, através da força do vento espalhando pólen; aquela espécie de poeira fina que nos causam espirros alérgicos; esvoaçada das anteras das plantas floríferas e cuja função é fecundar óvulos, e que representa o elemento masculino da sexualidade vegetal; e do onipresente poder da gravidade, empurrando sementes em direção ao solo. Assim se mantém a vida. Se com orgasmo ou não, só Deus sabe. Sobrevivemos nós com nossas raízes móveis. Dependentes da seleção natural e dos atos sexuais a dois. Presos a um Neodarwinismo cruel onde a justiça é dura e cega; onde a ereção peniana segue trajetória idêntica, e é muito mais respeitada.
Acordar todo santo dia e agradecer ao tal do Criador por mais vinte e quatro horas de vida faz bem à cabeça. Mas o diabo é que o método a nós imposto pela natureza implica ações e movimentos de livre arbítrio. Desde o “doce fazer nada” até aquele “vai-e-vem gostoso”. Até gozar! Alguns fazem sexo consigo mesmo. Funciona. Acho só um pouco humilhante, na terceira idade, ter que se usar os óculos para perto pra ver a foto. E um tanto frustrante ao final. Mas vai fundo, sem remorso, pois faz bem à saúde. Não sou eu quem diz essas coisas. Todo médico sabe disso. Aliás , todo o mundo sabe. É essencial tratar bem o corpo. E trabalhar bem o espírito. Essencial ter corpo e alma em união estável. Para o cérebro funcionar melhor, é imprescindível despertar a alegria e a autoestima latente dentro de você. Afinal, nossos sentimentos se originam no cérebro e não no coração. Hoje a gente lida com o tempo de uma forma completamente diferente. Você acha que a vida moderna atrapalha? – “Ah ! mas o corre e corre da vida moderna atrapalha o meio de campo”, dizem. Discordo. A vida na Idade Média era um horror. As pessoas morriam de doenças que hoje são consideradas banais. O sofrimento era muito maior. As pessoas morriam em casa com dor. Hoje existem remédios fortíssimos. Ninguém mais sofre demasiadamente. Neste ponto, a vida moderna é uma maravilha. Se sabe hoje em dia que a duração de vida de cada um está dimensionada no campo genético. No sentido em que já se sabe da eventual alta possibilidade de morte por patologias específicas. O genoma está a falar mais alto, excetuados os incontornáveis “acidentes de percurso”.
E o que fazer para melhorar a qualidade de vida? Evitar exageros é um bom começo: na bebida, nas drogas socialmente permissíveis ou não, na comida, no mau humor, nas reclamações da vida, nos sonhos, na arrogância. Pular o poço da ambição desmedida o mais cedo possível. Conselho um tanto difícil de se dar, esse aqui. Mas parece que eu o pulei, quando era novo, acredite.
O cérebro vai se adaptando aos estímulos que recebe, e às suas necessidades. Você vê pais reclamando que os filhos não saem da internet. Mas eles têm de fazer isso porque o cérebro deles funciona assim, com uma rapidez até então desconhecida. Eles têm de entrar nesse clique senão vão ficar para trás. Isso faz parte do mundo em que a gente vive. E o cérebro correndo atrás, se adaptando.
Você acha que nós somos uma das últimas gerações que vai envelhecer à moda antiga? Talvez, sim. Acho que vamos morrer iguais, longevos e “envelhecendo” cada vez menos. As pessoas irão bem até morrer. Até a falência total dos órgãos. Como uma vela se apagando. É isso o que se espera. Macróbios saudáveis . Ninguém quer ver velhice e decadência juntas. Se você puder ir bem mentalmente, com saúde, e bom aspecto físico, até o dia da morte, seria ótimo. Andar e correr ao ar livre, academias, calistenias várias; treinadores físicos personalizados segundo especificações dadas pelo usuário; padres, psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, leitura, meditação estão aí. Pra ajudar nisso. Sentar à mesa para o banquete da vida e suas consequências é inevitável. Mas com dignidade, por favor. Afinal, somos os animais mais perfeitos. Seres orgânicos feitos de carbono. Somos cinzas de supernovas extintas. E, ironia das ironias, as monumentais pedras que pensam. Fazer o quê?
José Delfino – Médico, poeta e músico
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