SAUDADES DA QUARENTENA –

 

Lembram quando o mundo estupefato e assustado recebia as notícias vindas da longínqua China, dando conta de que um vírus avassalador dava os primeiros sinais do seu potencial de letalidade e que prometia incomodar o restante do Planeta? Foi há dois anos que a peste, sem freio ou discriminação, invadiu e ultrapassou fronteiras e, por via de consequência, atingiu o Brasil no auge de um momento político incerto e desconfortável. Enquanto urdíamos nossos planos e projetos de vida e trabalho, fomos levados, a exemplo de tantos outros países, a nos refugiar dentro das nossas casas e dos nossos guetos, impossibilitados de manter contato físico, pessoal, em nome da higiene e da saúde pública, como estratégia para combater a nova peste.

Foi como se os céus desabassem sobre nossas alheias e distraídas cabeças, habituadas às mesmices das batalhas pessoais e do trabalhoso e sofrido cotidiano. Ficar em casa, obedecendo a uma recém adotada forma de quarentena, era a ordem universal, relutantemente aceita pelo forçoso reconhecimento da gravidade de uma caracterizada pandemia do coronavírus, o mal que fazia estragos, ceifando vidas incautas ou descuidadas, à mercê da nova mazela mundial. Paralela a esta, era também disseminada uma nova epidemia: a da desinformação, gerada por incompreensões, por mal elaboradas ou mal intencionadas teorias e por intencionais ou ignorantes negligências, que vieram a provocar muitas e evitáveis mortes.

Hoje, felizmente, estamos no limiar da solução científica trabalhada nos últimos anos para deter o andamento e a proliferação da pandemia. Começamos a reorganizar as nossas vidas incomodadas e abaladas, retornando, ainda que de maneira lenta e gradual, às atividades rotineiras, aos encontros negados, aos negócios interrompidos, aos amores estremecidos. Em muitos de nós, proibidos até de velar os parentes e os amigos vítimas do vírus, começa a despontar um estado de alívio e confiança, porque nos vemos na iminência de afastar de nós perigos e ameaças que nos confinaram por quase dois anos. E assim, já nos aventuramos nos eventos e compromissos públicos com alegria e a certeza de que as doses de vacina e de otimismo nos darão conforto e um pouco de paz.

A tranquilidade conferida pelo refúgio do lar e pelos novos e criativos recursos desenvolvidos para garantir a sobrevivência das nossas relações e necessidades, entretanto, parecem ter nos deixado mal acostumados. Por força do confinamento, nos habituamos com a segurança do lar, com a dispensa de comparecer aos locais de trabalho, de enfrentar as agruras do nosso estressante e caótico trânsito, de cumprir algum entediante e não desejado compromisso. Não está todo mundo assim, é verdade, mas, por experiência, tenho ouvido testemunhos de pessoas que garantem preferir, não a pandemia ou o confinamento, é claro, mas a possibilidade de seguir a vida através do smartphone, dos computadores, e do confortável distanciamento que não impede a resolução dos problemas, o exercício das atividades, ou a manutenção de negócios e amizades. É como se tivessem perdido o gosto, o prazer pelo contato físico, pessoal. A casa, ou seus arredores, seriam a sua Terra, a sua galáxia, o seu universo social, a célula [ou a cela] de onde iria interagir com o mundo, certos de gozar paz e segurança, livres de todas as contaminações.

Os funcionários voltam às repartições, os alunos às escolas, o comércio em geral abre suas portas. Tudo parece estar voltando ao normal, e em pouco tempo não estaremos mais sujeitos ao uso das desconfortáveis e antiestéticas máscaras protetoras, ou do paranoico uso do álcool gel. E embora a maioria das pessoas ansiosamente aguarde a liberdade, aquelas outras parecem já estar com saudades da quarentena.

 

 

Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais

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