REMINISÊNCIAS III –

Natal saiu de seu sono provinciano e acordou como uma cidade em efervescência! Para os que moravam aqui nessa época, a sensação que se tinha é de total mudança nos costumes e comportamentos. E, diga-se logo, mudança para melhor.

Para mim, foi uma mudança da água para o vinho. Muitos me consideravam um menino em 1942, mas, aos doze anos, trabalhando, ganhando o meu dinheirinho, estudando num colégio com ampla liberdade, apesar das regras rígidas de comportamento, foi um despertar. Dias inesquecíveis, e me lembro deles como se fosse hoje. Desse tempo, tenho uma mágoa; minha burrice em não conservar meus documentos, que teriam hoje, para mim, um valor inestimável. Esses eram documentos que usava diuturnamente para acessar a base de Parnamirim, e todos prédios lá existentes, inclusive o PX, que já mencionei antes.

Por obrigação, visitava as obras, tanto em Natal como em Parnamirim. Não dirigia, mas tinha um veículo da construtora para me deslocar. Era o carro usado por meu pai, que tinha uma permissão de circulação fornecida pelo Exército, e uma quota de gasolina, então sob estrito racionamento. Isso facilitava muito o nosso trabalho. Só
como informação; meu pai tinha comprado um Ford 1940 novo, e quatro dias depois veio o racionamento. Colocou o carro em cima de quatro tamboretes e só o retirou depois da guerra e o fim do racionamento. Felizmente, a atividade da empresa nos dava essa opção de poder usar um veículo, que era um Ford 1929, quatro lugares e conversível. Aqui para nós, aprendi a dirigir nele e mais no final da guerra já o utilizava pessoalmente. As coisas, algumas pelo menos, eram mais simples.

Os quartéis do Exército, com exceção do 16 R.I. (como já mencionei) foram construídos por nossa firma. Em Parnamirim, não me lembro quantos alojamentos construímos. Foi uma quantidade razoável. Havia várias outras empresas fazendo as mesmas coisas. A guerra apressou todo mundo. Como para o Exército, o trabalho lá também era 24 horas por dia. Os prédios eram ocupados assim ficavam prontos, pois todos os dias chegavam mais americanos. Esses alojamentos eram bem mais confortáveis do que os do Exército, bem mais caros e levavam mais tempo de construção.

Há várias histórias divertidas e interessantes ocorridas durante essas construções. Como já observei, o trabalho era intenso e os prédios ocupados de imediato. Estávamos construindo um prédio vizinho a um ocupado como depósito de cigarros. Cheguei lá um dia e encontrei os americanos jogando cigarros fora. Húmidos, disseram. Perguntei se poderia dá-los aos operários e disseram que sim. Mandei o pessoal pegar os cigarros e os fumaram por um bocado de tempo.

Uma das histórias mais divertidas, foi do pagamento semanal dos brasileiros que trabalhavam diretamente com eles. No sábado, eles anunciavam o “pay day”. A pronuncia em português tem uma cacofonia terrível (peidei). Os brasileiros riam muito e os americanos ficaram intrigados com aquilo. Foram perguntar a Protásio Mello, que era professor de Português na base, o porquê da risadagem. Protásio explicou e ele passaram a usar “payment day”.

Para mim, tempos inesquecíveis e dos quais tenho saudades. Relembrá-los é revivê-los.

 

 

 

 

 

Dalton Mello de Andrade – Escritor, ex-secretário da Educação do RN, [email protected]

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