QUEM VAI PAGAR? –

​Na década de 1990, proprietário de um terreno no bairro de Petrópolis, na rua João Machado, resolvi usar e ousar o espírito empreendedor e convidei uma empresa da construção civil para fazer uma empreitada, transformando-o em um pequeno edifício residencial, em sistema de condomínio.​

Os trâmites burocráticos foram devidamente providenciados e a obra iniciada em tempo hábil. Um organizado cronograma foi constituído e entregue a uma boa equipe técnica para execução.

​Como de costume, o prazo para conclusão da obra sofreu atraso (normal) e outras pequenas intercorrências naturais do andamento de todo projeto de construção civil.

​Na etapa final, já naquele momento de detalhes para receber o alvará de habite-se do Corpo de Bombeiros, houve certa discussão sobre opiniões divergentes para conclusão dos corrimões das escadas que davam acesso aos apartamentos.

​A comissão criada e encarregada para definir esses entraves pontuais contava com o engenheiro construtor, o senhor de meia idade, estatura mediana, abdome protuso, melanoderma, cabelo liso e bem comunicativo; qualquer semelhança com o bichinho da Páscoa não era pura coincidência; com o futuro administrador, de pequena estatura, de feição e descendência japonesa, muito prestativo, sempre presente com boas ideias; e, finalmente, um terceiro componente fechava o grupo: um aposentado militar federal, de pequena estatura, porte físico de fazer inveja a qualquer jovem contumaz frequentador de fitness e face bastante envelhecida não compatível com o bom e chapado corpo exibido.

No momento da confecção dos corrimãos, foi contratado o serviço do senhor Ari, um profissional experiente, competente, bastante humilde e com uma peculiaridade todo especial: a paciência.

​Muitas opiniões, muita discussão; a toda hora surgiam alterações com relação ao formato dos corrimões e o senhor Ari, apressadamente era cobrado por cada componente da equipe técnica de forma diferente: ora o corrimão era pedido em formato quadrado, ora redondo, ora retangular. As peças eram feitas, depois desmanchadas, refeitas, sem a menor queixa de seu Ari, com sua paciência de um buda enxadrista.

​Depois de muito bate-boca, de idas e vindas, enfim, os corrimões foram concluídos e aprovados pelo Corpo de Bombeiros.

​Agora, é chegada a melhor hora para o seu Ari: receber o dinheiro. Procurou várias vezes os exigentes e insistentes responsáveis pelo pedido do serviço e nada de receber o pagamento, nem mesmo em escutá-lo.
​Cansado de tantas cobranças sem êxito, procurou dona Laurita, senhora muito centrada, responsável e acostumada às coisas corretas; uma das proprietárias de algumas unidades do empreendimento.

​— Dona Laurita, não estou conseguindo receber o dinheiro do meu serviço dos corrimãos, gostaria muito da sua ajuda.

​— Seu Ari, o que está acontecendo? Não querem lhe pagar? Não acredito! Isso é um absurdo! Não admito!

​— Não estou conseguindo falar com nenhum dos exigentes solicitantes do serviço.
​Com muita calma, a voz mansa de padre na sacristía, coçando a cabeça e com a velha bolsa de plástico verde embaixo do braço, desabafou:

​— Quero saber quem vai me pagar. Se é o coelho preto, se é o japonês com os olhos quase fechados ou se é aquele que tem o corpo de menino e cara de velho.

​Não suportando a inteligente e feliz comparativa sacada do seu Ari, dona Laurita caiu numa gargalhada sem fim e procurou resolver o imbróglio do pequeno e paciente empresário e emérito observador.

​Tudo foi bem resolvido e a cerebral tirada de seu Ari ficou registrada nos anais da obra construída.

 

 

 

 

Berilo de Castro – Médico e Escritor,  [email protected]

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