PROPENSO, PENSO, TORTO, E PENSO – 

As sete artes do mundo transcendem. E se espelham em dois pressupostos. Em duas conjeturas necessárias uma à existência da outra, me parece. Da arte que vem da obra e da graça da Mãe Natureza, que emociona com sua estética em forma de forma em si mesma, de cor, de som e de fúria. Que mexe com a gente por fora e por dentro de forma absoluta, e ressalta a superioridade, igualmente absoluta, do Criador em relação à criatura. Toda pura, genuína, sem influência de escola alguma. E da outra arte que aflora à mente e mãos do artesão terreno, no eterno trabalho que o consome, e por consequência ressurg, reproduz efeitos afins, pois afinal somos feitos, queiramos ou não, à imagem e semelhança deles (da Natureza e dos artistas).

A arte transcende, o artista não. Pois levar a transcendência ao dia-a-dia, pareceria patético. Patético como virar-se personagem de si mesmo. Doentia ela fica muitas vezes, mas os remédios nunca deixam de aparecer no momento certo. O momento hegeliano quando a Estética anuncia que “… a arte é e ficará para nós em relação ao seu mais alto destino …”. O certo é que é inútil e ilógico (e como muitos são induzidos a isto, meu Deus!) tentar relacionar os artistas às suas vidas privadas, suas opções políticas, fraquezas e pecados. Se correto assim fosse, onde o espaço para Billie Holiday, Chico Buarque, Astor Piazzolla, Woody Allen, ou Ezra Pound, por exemplo. O fato de Caravaggio ter sido bandido, assassino, sodomita e ladrão, empanaria o seu brilho? Apagaria a genialidade do claro-escuro do seu traço? Coisas como essas (ver as coisas superficialmente ) apenas alimentam um voyeurismo neurótico que não tem nada a ver com as minúcias da nossa anima. A arte é eterna, o artista seria imortal, portanto.

O busílis, o x da questão, é que vivemos épocas, todas elas paradoxalmente bizarras. Sempre, na mesma escravatura uniforme imposta pelos formadores de opinião com relação a mudança dos hábitos de vida de cada um, de forma geral. Não muito diferente e vista de um ângulo não muito diverso daqueles tempos quando eu queria dar uma trepadinha por amor, mas faltava dinheiro, oportunidade e local. Uma dificuldade horrível, pois eu não tinha carro, dinheiro, e nem motel existia. Espaço-tempo que eu vivi e despertou em mim o desejo do estar e ser gente à minha maneira.

Mas os adultos estavam distraídos, os adolescentes em desespero, as mulheres oprimidas, os pais castradores e o sexo em vigilância. Por aqui o “Ame-o ou Deixe-o” já se avizinhava. O festival de Woodstock, os “sleeping bags”, as precárias ablusões ao ar livre, o álcool abundante, as anfetaminas, muito fumo, tudo a serviço da geleia geral do “make love not war”, lá predominavam. Que o povo da América do Sul (pelo menos o daqui de Natal, não tinha competência de organizar, por em prática, nem peito pra imitar essas coisas de “país desenvolvido em guerra fria”).

Tempo da Garota do Alceu Penna de fina estatura e exíguas medidas de peito, cintura e bunda, a nossa contribuição para a moda mundial já àquela época. Só que ninguém no exterior ouvia falar ou sabia o que era, “O Cruzeiro”. E agora esta geração, como se fosse muito natural recusando-se a envelhecer, imagine, como se fosse normal impor a si próprio a pseudo anatomia juvenil criada para idosos e propagada através de manequins e modelos contratados que orbitam o gigantesco mercado da moda e da beleza. A nova versão da ditadura do bom aspecto, consequência do politicamente “correto” herdado do desembaraçado início dos anos sessenta quando eu queria deixar o cabelo crescer e meus pais proibiam.

Mas os anos passaram e eu descobri que o meu maior inimigo era eu mesmo, e a vantagem, o prêmio do tempo a meu favor. Por isto e outras coisas, ouvir hoje um poema que eu gosto, recitado por Francisco de Sales Felipe, sempre me comove mais que um papo-cabeça por telefone. Daí eu preferir intrigas encenadas nos teatros, enredos complicados em livros e filmes. Fazer poemas quando me dá na telha. Dormir e acordar com música. Olhar meus quadros preferidos num museu chamado Internet. Isto quando a simples falta de grana eventualmente banca minha inacessibilidade a eles ao vivo. Enfim, e até certo ponto, um tratamento sem plano de saúde. Vocês terão que admitir.

José Delfino – Medico, poeta e músico
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