POVOAMENTO E COLONIZAÇÃO DO RN –

Antes da efetiva colonização, alguns europeus andaram por estas plagas potiguares. Estrangeiros e colonos alocados em outros pontos do Nordeste, também frequentaram as ribeiras e as embocaduras dos nossos rios. Segundo interpretação de alguns cronistas, os primeiros europeus a visitarem as terras que, hoje, formam o Rio Grande do Norte foram espanhóis ou navegadores a seu serviço. Nesse caso, estavam Alonso de Ojeda, João de La Corsa, Diego de Lepe, Américo Vespúcio etc., que “chegaram ao delta do Rio Assú” (LIMA, 1999). Desde o descobrimento por Portugal, a nossa região havia sido visitada frequentemente por corsários franceses, situação que ficou sendo motivo de preocupação da corte de Lisboa.

Quando instituído o sistema de Capitanias Hereditárias, foi criada a Capitania do Rio Grande, cujos limites aproximados eram: ao norte, a Ponta do Mucuripe, hoje na cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, e ao sul, a Baia da Traição, no Estado da Paraíba. Seus donatários foram João de Barros e Aires da Cunha. A primeira tentativa de sua colonização aconteceu 1535, quando João de Barros preparou uma esquadra juntamente com Aires da Cunha e Fernão Álvares. Eram cinco naus e cinco caravelas, novecentos homens e mais de cem cavalos. Entretanto, Aires da Cunha veio a falecer, o que teria levado a expedição ao fracasso (VARNHAGEN, 1978).

Em 1597, uma esquadra portuguesa entrou na barra do rio Potengi, com a intenção de segurar as terras coloniais para a coroa lusa, construindo um forte. Tal construção foi concluída em junho do mesmo ano. Novas tentativas somente viriam acontecer no final do século XVII, com a construção do Forte dos Reis Magos e a fundação da cidade de Natal. No início do século, em agosto de 1605, Jerônimo Albuquerque, um dos integrantes da esquadra que construiu o Forte, concedeu aos seus filhos Antonio e Matias “uma data que são duas salinas que estão corenta leguas daquy para a banda do norte… nem a terra serve pera cousa nenhuma mas que pera o sal que por sy se cria”.  Segundo Câmara Cascudo, “essas salinas, quarenta léguas ao norte, em terras que apenas para o sal se prestam e onde este é formado espontaneamente, pela disposição do terreno, foram identificadas pelo Des. Luís Fernandes como sendo as salinas de Macau”.

Um ano antes, em 1604, quando Pero Coelho regressava a Pernambuco com sua família e com os homens que restaram de sua malograda tentativa de explorar a Capitania do Ceará, “marcharam vários para as Salinas [hoje localizadas no Município de Areia Branca] vários dias” (SALVADOR, 1982). Em 1630, Adriaen (Adriano) Verdonck vem às terras do Rio Grande. No regresso a Recife, relatou ao Conselho Político do Brasil Holandês a existência de extensos depósitos naturais de sal alvíssimo, mais forte que o espanhol. Em 1641, Gedeão Morritz, o chefe da guarnição holandesa no Ceará, também chegou a essas salinas. A partir daí elas foram transformadas em fonte de abastecimento do produto, em substituição às importações que antes eram efetuadas pela Companhia das Índias Ocidentais – iniciando, assim, a extração de sal nas cercanias da foz do rio Mossoró.

A colonização efetiva, porém, não oficial, se deu por portugueses e indivíduos de outras nacionalidades – estes últimos em menor número –, extraviados ou desencaminhados das expedições que vieram ao Nordeste e à Capitania. A história registra o nome de dois franceses, Charles de Voux e Jacques Riffault, que teriam habitado a região onde atualmente é o bairro do Alecrim, em Natal. Esses portugueses, franceses e, depois, holandeses eram homens rudes e destemidos, degredados, desgarrados ou simples aventureiros que se embrenharam pelas ribeiras dos rios, fazendo amizade com os nativos e acasalando-se com as índias. Apoderavam-se da gadaria; do gado vacum e de outras criações dos colonos das cercanias de Natal e até da Paraíba. Todos estavam além da fronteira da jurisdição das autoridades coloniais, civis ou religiosas. A inacessibilidade de seus refúgios, o anteparo das flechas e dos tacapes da “indiada” e a distância dos seus esconderijos eram garantia suficiente para o seu desprezo a todas as regras e convenções, inclusive as de propriedade. Vivendo fora do alcance de todo e qualquer controle legal ou social, aderiram à forma de viver dos índios. Todavia, a eles se deve o esparramar do gado vacum, primeiro pelas ribeiras e depois pelo sertão da região oeste do Estado.

Em abril de 1680, cerca de vinte e três proprietários de terra no Rio Assú pediram a desistência de ditas terras e solicitaram que fosse dada a cada um deles uma data com três léguas em quadra, “na testada dos últimos providos do rio Panema e rio Jaguaribe, uma lagoa chamada Itaú. […] Em 1700, existindo já grande número de moradores, Manuel Nogueira fundou uma povoação no lugar denominado Outeiro, à margem esquerda da lagoa Itaú” (CORIOLANDO, 1950).

Quatro anos antes, em 1696, deu-se formação do Arraial de Nossa Senhora dos Prazeres do Assú, que um ano depois, diz Cascudo (1955) “já possuía mais de oito mil cabeças de gado. Era sinal valioso de vida organizada e coletiva na Ribeira e do próprio avanço dos currais tendo como centro de apoio o álveo rio condutor”.

Diferentemente do uso que os colonos degredados ou desgarrados faziam do gado – primordialmente para consumir-lhe a carne –, os colonos regulares tinham, na sua criação, uma fonte de renda, pois que estavam inseridos nas engrenagens do sistema colonial português (e depois holandês). Essencialmente voltado para a produção de excedentes exportáveis, na época esse sistema priorizava a produção do açúcar. Todas as outras atividades econômicas da colônia terminavam sendo tributárias do único polo dinâmico. De todas elas, a criação de gado vacum foi a mais atrelada ao ciclo produtivo da cana-de-açúcar. A carne alimentava os senhores de engenho, trabalhadores jornaleiros e os escravos. O couro servia para peças de vestuário, fabricação de sapatos e sandálias, forração de móveis, lastro de camas, revestimento dos jacás, embalagem do açúcar etc. Dessa forma, a criação de gado inseriu a região oeste do Rio Grande do Norte na vida da colônia.

 

 

Tomislav R. Femenick – Mestre em economia, com extensão em sociologia. Do Instituto Histórico e Geográfico do RN

 

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