O que Influi nas Escolhas Setoriais Estratégicas para a Economia Brasileira? Parte II –

Fragilidade nas Políticas Públicas: Sem Planejamento, Perde-se de Vista o Conceito de Estratégico

Uma frase do genial Nélson Rodrigues cai bem, quando eu e outros tantos brasileiros continuamos a amargar um sentimento de traição civil. Dizia Nélson: “amar é ser fiel a quem nos trai”. Em larga medida, na intenção que antecipo aqui, parece-me que parte expressiva do país insiste em trair utopias e esperanças, mesmo que minimamente realistas. Dadas nossas minúsculas proporções, talvez represente um pouco a sensação de se pregar num deserto. O que fez, em várias ocasiões e amplas dimensões, João Batista na antiga Judéia. A diferença é que o velho pregador defendia, entre ideias transformadoras, seus mais profundos arrependimentos.

Acontece que neste Brasil da imprudência, na qual se trata o improviso como regra, ao invés de atributo eventual, não restam arrependimentos. Na realidade, paira no ar dos crédulos, uma onda de desilusão, que considera a capacidade de persuasão como algo menor do que os esforços que resultam na previsão indesejada e no entendimento precipitado. A equação tem solução complexa. Reforça-se, então, o que foi dito pelo nosso Maestro Tom: “o Brasil não é para principiantes”.

Nesse embalo, retomo ao tema da matriz energética, sobretudo, no que tange ao papel da PETROBRAS. Irei além do imediatismo que leva qualquer análise à questão estratégica. Afinal, vale temperar a discussão com outros aspectos correlatos: a) os resultados lucrativos que a empresa têm obtido; b) a desgastada associação genérica entre investimentos versus mão de obra barata: e, c) os desafios da sustentabilidade.

Entre mitos criados que renunciam abertamente à modernidade e comportamentos que insistem em não saírem de moda, o país segue sem rumo, à deriva. Justo por não ter inserido alguns valores que contrariassem os três temas citados, segue-se sem um plano de desenvolvimento afinado e consistente.

Essa questão que simula sobre o que seja um setor econômico estratégico parece imutável na história. Se o país soube ousar na revisão conceitual do estratégico quando o tema foi telecomunicações, por que não avançou quando as questões energéticas vieram à tona? Qual foi mesmo a régua que mediu “a perda da soberania” derivada das telecomunicações, para que não fosse aplicada no setor energético? Por que o poder estatal se revelou mais frágil na extinta TELEBRAS?

Nisso tudo, o interessante a registrar é que as “estatais da energia”, pouco têm evidenciado suas intenções com relação ao que hoje é genuinamente estratégico: a priorização das fontes de energia limpa. Pior que ignorar o que pode ser estratégico é desconsiderar o compromisso com o futuro, através de ações insustentáveis.

Em adição a essa postura de desinteresse pelo que parece ser hoje mais estratégico, duas questões que não saem de moda – a possibilidade de lucro e o falso discurso da manutenção dos investimentos. Não me parece defensável o fato de uma empresa, que opera um torno de um monopólio público, justificar-se no seu êxito lucrativo para minimizar o debate em torno de uma gradual ou incisiva revisão do papel estatal. Mais complicado ainda é querer justificar mais investimentos em velhas fórmulas de fontes questionáveis, numa falsa visão de competitividade. Esta adviria de uma pretensa mão de obra barata, como eterno dinamizador de investimentos. Afinal, por questões de qualidade na educação e baixa produtividade, o problema é outro e está nos baixos salários.

Enquanto o mundo avança e os discursos se renovam, mitos e modismos continuem a dar as cartas. O Brasil insiste em ser o país do futuro, porque não abre mão de viver no passado.

 

 

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco

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