VALÉRIO MESQUITA 1

Valério Mesquita*

Era o bolero interpretado pelo cantor Bievenido Granda, nos anos cinqüenta, que fez enorme sucesso popular no Brasil. Naquele tempo, somente se escutava música através do rádio.

Bievenido cantava como se tivesse embriagado num obscuro palco de uma fumacenta boate mexicana. A expressão “perfume de gardênia” logo se vulgarizou para dar título aos corrosivos e nauseantes estampidos intestinais que infectaram os ônibus da Empresa Rodoviária São Cristóvão de Macaíba, protagonizado pela galera estudantil da época. “Quem foi?”, era a pergunta indefectível que aborrecia os passageiros. “Pára o ônibus”, ordenava qualquer autoridade policial incomodada, como se quisesse fazer ali exame de corpo de delito ou descobrir o DNA do peido sorrateiro.

Lembro-me de José Maria Magalhães, (vulgo Betinho), por ser gordo e sudorético foi réu imaginário de muitas suspeitas. Mas, o maior artista da arte de simular um “pifote” foi Xixico (Francisco Paulino), que possuía a desfaçatez, dentro de um coletivo, de resplandecer no rosto a sisudez do respeito enquanto o cu gargalhava. O “perfume” que exalava dos seus “países baixos” tinha o odor acre e ácido de produtos químicos derramados. Nas Cinco Bocas, Xixico ainda exibe o troféu do macaibense que mais peidou sem interstício (sem pausa), atingindo o placar de vinte e duas detonações. O Delegado de Macaíba, Tenente Viana, foi alertado até por vereadores para dissolver o “canto orfeônico” de frente á antiga fábrica de bebidas de Severino Aleixo, que incomodava as famílias, até altas horas da noite, com intempestivos flatos seresteiros. No Cine-Teatro Independência de Manoel Corcino, na rua Pedro Velho, o festival de bufas começava logo na exibição do desenho animado de Popaye. Difícil de observação e controle. Aos primeiros estampidos, as luzes do cinema eram acesas. E quando havia recalcitrância, o próprio Manoel subia ao palco para pedir o respeito sob aplausos. E quando descia, apagadas as luzes, cheio de moral, a paz era quebrada pelo som estridente de um “pum” maldoso e sutil. Algumas vezes, vi casais deixarem o cinema em meio à exibição. Mas o momento propício que os peidões escolhiam para expelir os seus gases era exatamente na silenciosa cena de amor, que até fazia parecer parte integrante do filme, com  tal freqüência que virou rotina.

Quando escutei o bolero Perfume de Gardênia, veio-me a mente todas essas lembranças. Deduzi que não se peida mais como antigamente. Naquele tempo o peido, se bem que é uma falta de educação ou um atentado aos bons costumes, tinha o som místico das profundezas anais que se revelava sempre novo, apesar de tão velho e bizantino, além de humorístico quando se integrava ao ambiente e a comicidade dos vivos. “Se peidas, ainda vives”, diz o ditado cubano. E proustianamente escrevo em busca desses flatos perdidos com a memória olfativa ainda no perfume de gardênia.

(*) Valério Mesquita – Escritor e Presidente do IHGRN = [email protected]

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