PEQUENOS PECADOS –

Na minha primeira e única visita ao estádio do Maracanã, em 1987, assisti, com tristeza, o Flamengo ser derrotado pelo Vasco, na final do campeonato carioca. Porém, outras decepções me assaltaram naquele domingo insólito. Espectador nordestino, acostumado com os pequenos eventos e ocorrências das nossas praças esportivas, fui testemunha do violento e deseducado comportamento dos torcedores das cadeiras numeradas, as dependências para onde, na esperança de maior conforto, comprei a minha entrada. Torcedores urinando de maneira ostensiva e descontraída no chão do hall de acesso aos lugares, constantes arremessos de objetos na direção dos que ficavam abaixo de nós, expressões de ódio e fúria dirigidas aos adversários, foram alguns dos motivos que fizeram me arrepender da ansiada presença no celebrado maior estádio do mundo. Ao procurar um guichê para adquirir o ingresso, havia sido destratado e menosprezado por uma dupla de policiais, a quem me dirigi pedindo orientação.

Deixei de frequentar estádios de futebol há mais de 25 anos, e um dos motivos, além da queda de qualidade das disputas e, consequentemente, dos jogadores, foi justamente o comportamento das torcidas que, dentro ou fora das praças, têm mostrado que, apesar dos avanços sociais e tecnológicos, somos, na realidade, e cada vez mais, cultuadores da falta de educação, useiros e vezeiros dos pequenos pecados que transformam em batalhas a nossa vida em comum. E o mesmo comportamento que um dia me escandalizou no Maracanã, tive oportunidade de observar em Natal, no nosso principal estádio, ocasiões em que, movido por ingenuidade e boa intenção, me arriscava a ser agredido quando admoestava aqueles que também urinavam o chão, obedientes apenas às suas cabeças arrogantes e encachaçadas.

O homem civilizado parece não lidar muito bem com as suas necessidades fisiológicas, e tenta distanciar sua personalidade social dessa característica natural dos mamíferos. Talvez por isso seja tão negligente ou mal educado com uma ação que, embora normal e singela, merece zelos e cuidados que produzam resultados saudáveis para si e para os outros. É comum, nos mictórios e banheiros públicos, nos depararmos com vasos recentemente usados que, não obstante desnecessários avisos e recomendações, não teve usada a descarga, o que requer mero acionamento de uma cordinha ou de um botão. Acredito que muitos não se veem obrigados a descartar seus dejetos, ato que pode ferir a sua dignidade; outros, menos dignos e importantes, terão que fazer por ele. Lembro de um antigo colega de trabalho que, como aqueles torcedores, também urinava no chão do banheiro da repartição. Interpelado sobre o motivo, cândido e displicente, respondeu: é só porque eu gosto!

Falar do trânsito é redundante, para exemplificar a ocorrência desses pecados sociais. Para uma boa parte dos nossos condutores de veículos, amadores ou [e talvez principalmente] profissionais, normas, leis e sinais, como disse Chico Anyzio, aparentam ser ofensa pessoal, merecedoras da nossa desobediência e desprezo. Parece exagero? Não é; basta prestar atenção [o que eu, tolamente, ainda faço] ao comportamento diário dos nossos motoristas. Avanço de semáforos, contramão, estacionamento indevido mesmo com visível e abundante orientação, desrespeito a faixas de pedestres e espaços preferenciais, ostensiva utilização de celulares ao volante.  A possibilidade de multas e outras punições não parecem intimidar esses pecadores que atribuem a si mesmos poderes e regalias que os desqualificam como respeitáveis integrantes das normas e regulamentos urbanos. Nós não criamos as leis e ordenamentos, porém nascemos no seio de uma ordem social que deve ser acatada, enquanto estiver a serviço do bem e da justiça. Não devemos considerar ameaçada a nossa individualidade, quando esta for parte útil e integrante de uma saudável e produtiva vida comunitária.

 

 

 

 

 

 

Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais

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