1- O STF e a catimba

No ano passado, Rubens Glezer publicou um original livro intitulado: Catimba Constitucional—O STF, do antijogo à crise constitucional. São Paulo, Arraes Editores. O professor de Direito da FGV/SP se inspirou na análise de Mark Tushnet sobre o jogo de beisebol. Nos EUA é comum usar a expressão “hardball” (“bola dura”) em alusão a “pegar no pesado” em negociações. Ao contrário do “softball” (“bola macia”) que machuca menos e é usada por praticantes amadores do beisebol. Tushnet usa o termo “bola dura” constitucional para descrever as ações políticas que não são ilegais, mas que afrontam profundamente as convenções democrática sobre o que é possível ser realizado. Por exemplo, o artigo 142 da Constituição Federal confere às Forças Armadas tanto o poder de garantir como o de violar os poderes constituídos. Tanto é que o General Leônidas Gonçalves ameaçou zerar a constituinte de 1987 caso os parlamentares retirassem este artigo do texto constitucional. Segundo Tushnet, o jogo da “bola dura” envolve uma prática mais agressiva, porém com maiores riscos para os praticantes. Sem que ilegalidades sejam cometidas, repita-se.

Glezer transplanta a ideia do beisebol para nosso futebol e introduz o conceito de “catimba constitucional”. O cerne de seu argumento “é que a catimba se dá na ação limite da regularidade (não viola as regras do jogo), mas que agride os valores do jogo (espírito esportivo e fair play). No mesmo sentido, a catimba institucional caracteriza a ação de agentes públicos que são lícitas (ou não claramente ilícitas), mas que possuem um déficit de legitimidade porque violam os valores centrais e as virtudes do jogo político. A catimba institucional em si não é um problema, mas a sua reiteração e excesso podem gerar um tipo específico de crise constitucional, muito mais sutil do que as crises mapeadas na literatura: uma crise de confiança e lealdade à Constituição.”

O diagnóstico de Glezer é que o Supremo Tribunal Federal “começou a trilhar o percurso catimbeiro entre o final de 2015 e início de 2017. Durante este período, o tribunal proferiu diversas decisões inusitadas que criaram novas formas de o próprio Supremo controlar e interferir no funcionamento do Legislativo e Executivo. O Supremo utilizou sua capacidade regular de interpretação das normas constitucionais para aumentar sua capacidade de interferência sobre outros poderes, de maneira que ninguém considerada possível até então. (…) O Supremo aumentou seus poderes de forma que ninguém supunha ser autorizado pela Constituição, com argumentos que pareciam atender mais a ponderações políticas do momento do que um esforço de interpretação de normas jurídicas”. A catimba continua crescendo até os dias de hoje. E não dá sinais de estancamento.

Os juízes passaram cada vez mais a “cavar faltas” em vez de se preocupar apenas em fazer gols. Há um preço para isto. A violação sistemática aos valores do jogo pode acabar transformando-o em outro jogo, alerta Glezer. Em outras palavras, “no caso de uma democracia constitucional isso pode significar a passagem de um regime democrático para um regime autoritário, sem que nenhum tanque seja colocado na rua”. Paradoxo: nossa frágil democracia é ameaçada pelos guardiões togados da democracia.

(publicado originalmente em O PODER, 20/7/21)

 

2- Já li gente advogando que Bolsonaro não possui condições mentais de governar o país.

E o que dizer do presidente da Argentina? Ele abriu licitação para a compra de dez mil pênis de madeira polida. Serão usados em uma campanha para prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Na licitação estão também inclusas maletas e porta-preservativos. Valor da compra: R$ 700 mil reais. Dados do jornal La Nación.

 

 

 

Jorge Zaverucha – Mestre em Ciência Politica pela Universidade Hebraica de Jerusalém, Doutor em Ciência Política pela Universidade de Chicago e Professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFPE

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