PASSAGENS NO FUTEBOL –

Não fui longevo no futebol. Nas minhas contas, foram somente cinco anos oficialmente ativos no futebol potiguar, o suficiente para quem almejava coisa melhor — o estudo. Mesmo assim, consegui chegar a um patamar que marcou e ainda hoje marca, essa minha curta convivência nas quatro linhas do gramado. Não diria, nos dias de hoje, uma “besteira” dessa.

Alguns momentos são inesquecíveis, e relembro-os com prazer imensurável.

Recordo da década de 1960, minha fase de ouro, quando defendia a brilhante equipe esmeraldina do Alecrim Futebol Clube.

Vem a lembrança do convívio, nos jogos, nos treinos, nas viagens, enfim, momentos de alegria, de tristeza, momentos hilários, que jamais se apagarão e ficarão gravados na história como uma nódoa, uma mácula inapagável.

Lembro da figura inesquecível de um bom lateral esquerdo, com quem convivi na década de 1960, na equipe do Alecrim FC, quando nos sagramos bicampeão da cidade.

Certa vez, em um jogo decisivo, estádio lotado, muito tensão, nervos à flor da pele, o cronista de campo foi ao encontro do bom jogador, e perguntou:

– Jogador, uma palavrinha! Como está o seu sistema nervoso, nesse momento de muita ansiedade, de muito nervosismo, que antecede a decisão do campeonato da cidade?

​– O que?

​– O seu sistema nervoso!

​– Não, não tenho esse bicho!

Em uma viagem à Campina Grande, para jogar contra a equipe do Campinense Clube, pela Taça Brasil, ficamos hospedados em uma pensão de um ex-atleta do campinense, chamado Gonzaga. Lá para as tantas, o meu companheiro de zaga chegou e disse:

– Doutor, a esposa de Gonzaga está muito doente!

– Perguntei: qual é a doença dela?

– Doutor, ela fez um parto “severiano” e está muito mal!

Nos treinamentos de apronto no Estádio Juvenal Lamartine ( JL), para o jogo do domingo, todo empenho era pouco para acertar a equipe. Procurava comandar o sistema defensivo:

​– Vamos nos movimentar, acompanhar a linha atacante até o meio de campo!
Responde, o meu lateral:

– Doutor, quando o senhor chegar à noite em casa, vai jantar bem, muito bem; eu vou tomar um café fraquinho com pão de “boia”. Doutor, o adversário não tem que passar por aqui? Então, eu espero ele aqui mesmo!

Domingo, dia de jogo, ambiente de concentração. O almoço normalmente saia mais cedo, por volta das 11 horas; o prato já vem pronto: pequena quantidade e recheado de verduras e legumes (bem colorido); sabendo que o jogo só começava às 4 horas, o apetitoso jogador olhava para mim com os olhos pidões e falava:

– Doutor, vai ser só isso? Não vou correr nada, não vai dar pra jogar; como posso aguentar a fome até 4 horas comendo só essas folhas? A barriga vai roncar e as pernas vão fraquejar!
Já doente, consegui interná-lo no Hospital das Clínicas (hoje, Hospital Professor Onofre Lopes). Nas visitas médicas, fui alertado por um paciente, que disse: Doutor, ele come bem, não é?

​– Por quê? Indaguei.

​– Porque, quando os doentes acabam de almoçar, ele sai rondando e catando nas mesinhas as sobras, e quando encontra, passa tudo para dentro.

Certa vez, o bom jogador, atuando pelo ABC FC, foi contratado por um treinador que o conhecia bem e gostava muito do seu futebol. De contrato pronto, viajou para Alagoas, em um confortável voo. Foi muito bem recebido e, a princípio, ficou hospedado na casa do amigo treinador.

Era final de ano, período festivo de Natal e Ano Novo. Como de costume, a família do treinador ia assistir à missa de meia noite, e depois voltaria para o bom e festivo jantar do Natal. O amigo treinador pediu ao seu contratado jogador que ficasse tomando conta da casa e em especial da rica mesa postada para o jantar. Só que aconteceu o “esperado”, o jogador, com o seu apetite feroz e devorador, não resistiu ao insulto do cheiro do peru assado que exalava da mesa e se espalhava por toda a casa. Não resistiu mesmo! Foi lá e retirou um pedacinho para provar e gostou; e assim, de pedacinho e pedacinho, derrubou toda a parte muscular do peru, deixando só os ossos. A família, ao retornar da Santa Missa, e dirigindo-se à mesa para iniciar a comemoração da data de Natal, percebeu que a carne do peru tinha desaparecido e só restavam os ossos. O treinador, espantado e p. da vida, chamou o bom atleta e perguntou o que tinha acontecido; com a boca ainda oleosa e barriga cheia, respondeu: estava com muita fome e não resisti ao danado do cheiro do peru e comi um pouquinho.

– Um pouquinho?

– A fome era grande, meu treinador, e o cheiro do “bicho” maior ainda! Não resisti!

Moral da história: no dia seguinte, sem choro e nem vela, o bom atleta e devorador de peru foi mandado de volta para Natal; só que dessa vez, não no conforto do avião de carreira, mas, sim, de trem, no vagão de carga, e ainda sem contrato e sem nenhum tostão no bolso.

Velhos tempos, belos dias!

 

 

 

 

Berilo de Castro – Médico e Escritor,  [email protected]

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *