ONDE FOI QUE ERRAMOS –

Quando eu conheci Copenhague, em 1996, não me saía da cabeça a citação usada numa fala da peça Hamlet, escrita por William Shakespeare: “Há algo de podre no reino da Dinamarca”.

Serviu-nos de guia nessa excursão um português radicado em Copenhague chamado João Lourenço, que conhecia o Brasil e gostava de gozar com a cara de brasileiros contando piadas de nossas gafes quando em viagens de turismo por Portugal, tal qual nós ridicularizamos os irmãos de além-mar por aqui.

Lourenço, formado em Letras pela Universidade de Coimbra, era um dos guias turísticos mais conceituados da agência que nos deu assistência. Conhecia a Dinamarca a fundo e, em tom professoral, explicitava tudo o que nos mostrava com detalhes e precisão. A empatia do grupo com ele foi imediata.

Em visita ao parlamento ele nos esclareceu que a Dinamarca é uma democracia representativa e uma monarquia constitucional, desde a adoção da Constituição de 1849. O monarca é formalmente o chefe de estado, com um papel essencialmente cerimonial. Compete-lhe indicar o primeiro-ministro, e este os restantes ministros do seu gabinete executivo.

E continuou: “Por aqui não existem privilégios outros para cada parlamentar além dos oferecidos a qualquer cidadão. São poucos os espaços para indicar cargos, e dele é cobrada transparência ampla para os seus atos”. Falou que o salário mensal correspondia a 10 mil coroas dinamarquesas o equivalente, pasmem, a R$ 8.800,00 na moeda de hoje, para trabalhar meio expediente. Muitos dos parlamentares complementavam a renda familiar com outra ocupação.

No meio de sua falação, Lourenço, nos aponta para um senhor que havia estacionado o seu meio de transporte num bicicletário sem utilizar nenhuma tranca de segurança e, na maior naturalidade, nos diz:

– Aquele é o parlamentar Fulano de Tal!

Todos no ônibus sorriram imaginando ser mais um dos gracejos do português, pois ninguém acreditou que um parlamentar ganhasse tão pouco, sem qualquer regalia e ainda por cima indo trabalhar, despojadamente, pedalando uma bicicleta. Ele captou a ironia do grupo e, mudando o tom de voz entusiástico para um contrito, explicou:

– Eu não estou de troça, senhores. Falo sério. Conheço o parlamentar e sempre o encontro pedalando no bairro onde moro!

Essa, ainda hoje é a realidade política naquele país da Escandinávia, que encabeça a lista dos menos corruptos do planeta. Onde os eleitores confiam nos parlamentares escolhidos e condenam publicamente os seus erros. Se existiu algo de podre no reino da Dinamarca, certamente, foi somente na dramaturgia do maior escritor inglês de todos os tempos.

Enquanto isso, no Brasil, em 1889, meio século após a proclamação da constituição dinamarquesa, um Golpe Republicano defenestrou do trono brasileiro aquele que amou a sua pátria e súditos mais que qualquer outro compatriota; e que aceitaria qualquer composição política desde que não houvesse derramamento de sangue. Entretanto, D. Pedro II seguiu para o exílio, na França, sem nada aceitar de benefício material, levando consigo apenas um punhado de terra do solo brasileiro para lhe servir de travesseiro quando chegasse a hora de sua morte.

Terra adorada entre outras mil, és tu, pátria amada Brasil, mas, onde foi que erramos?

 

 

 

 

 

José Narcelio Marques Sousa – engenheiro civil

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