ONDE É QUE VOCÊ ESTAVA? –

Vez por outra, eu fico tentando lembrar das situações e dos lugares em que me encontrava no dia e no momento em que presenciei ou vivenciei alguns acontecimentos importantes. Não é um exercício original. Tenho certeza de que outras pessoas já tiveram essa experiência.

Eu era menino na Guarita no dia em que o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 1958.  Ajudava no suprimento de água para a minha casa e voltava com dois galões cheios, pendentes nos ombros magros dos meus 11 anos de idade. Em casa, encontrei meus pais acabrunhados, aborrecidos porque a Suécia marcara um gol no nosso time. Assumi sua tristeza, mesmo sem entender muito a situação. Ao final do jogo e da histórica vitória, estavam todos felizes e minha mãe, eufórica e determinada, confeccionou uma tosca e apressada bandeira brasileira e a pendurou no pé de fícus benjamim plantado na calçada. Era 29 de junho, dia de São Pedro, e o santo não decepcionou. Mandou uma inesperada e torrencial chuva, que encharcou os foliões que ganhavam as ruas nos festejos e, de quebra, desfigurou e destruiu completamente a nossa singela e patriótica bandeira de papel-crepom.

Uma tarde, em dia de jogo na Copa de 1962, eu saía do Cinema São Luiz, no Alecrim, quando soube que Garrincha havia destruído a defesa do adversário, marcando duas vezes, com golaço de perna esquerda; Vavá fizera mais um, e vencemos a poderosa Inglaterra por 3×1. No jogo seguinte, semifinal contra o Chile, Garrincha e Vavá marcaram mais dois gols cada um, “despachando” os donos da casa. Esse jogo e a final vitoriosa contra a Tchecoslováquia eu, orgulhoso e feliz, ouvi de um alto-falante instalado perto da minha casa, na Vila Ferroviária, Rocas.

Dois anos depois, em 1964, conhecíamos um primeiro de abril portador de amarga verdade.  Apagavam-se as luzes de importantes reformas econômicas e sociais, sufocadas por um movimento das elites brasileiras e pelo conservantismo tacanho e antipopular, que usaram as nossas Forças Armadas como braço militar. Empregado do Sindicato dos Ferroviários, presenciei a ação dos pesados caminhões que arrebentaram os portões da estação de trens na caçada a líderes e trabalhadores grevistas. Invadiram as suas dependências com uma truculência que eu, aos 17 anos, neófito nas coisas da vida e da política, não conseguia entender. Mas eu nunca esqueci daquela violência contra coisas e pessoas. Naquele dia, em que começou uma deletéria e esmagadora escuridão de 21 anos, eu estava lá.

Na Copa de 1970, enquanto nos porões e calabouços havia choro e ranger de dentes, a Pátria, mais uma vez, calçava as chuteiras para torcer. A Seleção Brasileira, de feras convocadas e organizadas por João Saldanha, encantava o mundo com seu futebol envolvente e invencível. O jogo final, o baile na Itália, vi na casa de um amigo, porque eu ainda não possuía televisão. Naquela decisão, além de se firmar como uma das melhores de todos os tempos, a nossa seleção ainda se deu ao luxo de quebrar um histórico tabu: nunca, em uma partida final, o time que abria o placar saía vencedor. Fizemos o primeiro gol com Pelé e aplicamos uma goleada de 4×1, conquistando um inédito tricampeonato. Ignorantes ou esquecidos da delicada situação política do país, saímos da casa de Seu Gomes, desde a Potilândia, pela cidade, em carreata, comemorando o feito. Guardo com respeito esse dia inesquecível em que o Brasil gozou de uma real, porém efêmera, felicidade. Três anos depois, por força da intolerância e do arbítrio, eu marcaria presença forçada em outras situações e lugares até imaginados, mas, evidentemente, jamais desejados.

 

 

 

 

 

Alberto da Hora – escritor, músico, cantor e regente de corais

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