O VELHO ATHENEU: LEMBRANÇA QUE O TEMPO NÃO DESFEZ –

Naquele tempo, o nosso mundo começava no Atheneu, um nome bonito, sonoro, poético. Era o tempo da felicidade na sua forma mais simples; dos primeiros alumbramentos; dos gestos inaugurais dos amores clandestinos. Falar sobre o Atheneu dos idos 50 e 60 é caminhar numa procissão de relembranças. “Seu Babau, quantas declinações existem no Latim”. “Sei não, professor”. “Sente, zero. Nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo”. Era o Cônego Luiz Wanderley arguindo Raimundo Torquato, apelidado de Babu mas o padre já declinava no acusativo: “Babau”. Vascaíno fanático, só havia um jeito da turma se livrar da terrível chamada oral de latim da segunda-feira: elogiar o Vasco e comentar a sua vitória. No caso de derrota: “delenda est Babau!”.

Sem nenhum demérito aos atuais mestres do Atheneu norte-rio-grandense de hoje, mas será que o tempo poderia restituir essa seleção de ouro? Floriano Cavalcante (que ensinava história proferindo discurso); Protásio Melo (que nos influenciou o interesse pelos autores ingleses e americanos); Esmeraldo Siqueira professor de francês (com o seu indefectível charuto, cuja fumaça desenhava no ar os perfis de Hugo, de Daudet, de Vigny, de Balzac, de Gide, etc); Álvaro Tavares (modesto, simples, erudito); Cônego Luiz Wanderley (grande orador sacro e latinista), só para citar aqueles que nos ensinavam diretamente. Nesse universo perdido havia outras figuras inesquecíveis que não travaram contato conosco mas povoaram a mesma amorável galáxia que vai ficar na memória e na moldura do século que terminou.

Mensurar o quanto a intelectualidade do Rio Grande do Norte deve ao Atheneu é uma tarefa impossível. Desde o tempo do inexcedível Professor Celestino Pimentel, de Alvamar Furtado (o Clark Gable dessa Hollywood Potiguar), Câmara Cascudo (o mais sedutor dos mestres), e toda uma plêiade de professores quase todos absorvidos mais tarde pela Universidade Federal, nos faz deduzir que o Atheneu não foi, apenas, uma usina preparatória e educadora de gerações mas também de mestres que ajudaram a erigir o edifício de um novo tempo: uma instituição de ensino superior.

O velho Atheneu tem o dom da dimensão entre o efêmero e o eterno. Nele há algo mais para se sentir do que para se dizer. O Atheneu é a história de uma fé que se fez realidade. Concebido pelo arrojo arquitetônico extra época, insignes diretores deram vida e estabilidade definitivas ao idealismo renovador do ex-governador Sylvio Piza Pedroza. “Ver bem não é ver tudo, é ver os que os outros não vêem”. Nessa frase perfeita de José Américo, Sylvio Pedroza, quem sabe não estaria enxergando longe o embrião da futura Universidade? Só sei que o tempo respeitou o que nele construiu para depois os próprios mestres, ao longo do tempo, se encarregarem da materialização do seu sonho. Isso porque, é na própria criação que o homem faz descobertas. O mestre Protásio Melo que teve uma vida inteira consagrada ao ensino de gerações, hoje nada “tendo nas mãos que foram pródigas”, não viu a hora do silêncio e nem se calou. Abriu as asas de sua pesquisa sobre a história do Atheneu, a história de todos nós.

E já entardecia para que se pudesse resgatar esse acervo rico de humanismo e tradição. Só Protásio mesmo, que cresceu nas ervas de Walt Whytm para hoje, neste milênio, nos respingar da água benta de uma aurora, onde foi um dos protagonistas dos mistérios circundantes.

 

Valério Mesquita – Escritor, membro da ANL e do IHGRN– [email protected]

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