O TEÓRICO DA JUSTIÇA –

O norte-americano John Rawls (1921-2002) talvez tenha sido, para o direito, o mais importante filósofo da segunda metade do século XX. Falo “para” o direito porque ele não era bem um jurista, na acepção de alguém com diploma e prática na área, mas, sim, aquilo que chamamos filósofo ou cientista político. Todavia, em larga medida, suas ideias tomaram conta do direito e das concepções modernas de igualdade e de justiça.

Rawls nasceu em Baltimore, Maryland, em 1921. Bacharelou-se em 1943 pela Princeton University. Alistou-se no exército do seu país a tempo de testemunhar o fim e os dias seguintes à 2ª Guerra Mundial com as bombas de Hiroshima e Nagasaki (o que, dizem, influenciou muito sua vida). Voltou à Princeton para obter seu doutorado em filosofia em 1950. Foi estudar na Oxford University, no Reino Unido, sob a influência de H. L. A. Hart (1907-1992) e Isaiah Berlin (1909-1997). Retornou aos EUA para ser professor, seguidamente, na Cornell University e no Massachusetts Institute of Technology – MIT. Em 1962, achou sua “casa” na Harvard University, onde se quedou pelos cerca de 40 anos restantes de sua produtiva vida. E, de lá para o mundo, foi professor e orientou um montão de novos luminares da filosofia política e jurídica.

Entre outros títulos, Rawls publicou “Uma Teoria da Justiça” (“A Theory of Justice”, 1971), “Liberalismo político” (“Political Liberalism”, 1993) e “O direito dos povos” (“The Law of Peoples”, 1999). Mas é sobretudo por “Uma teoria da justiça”, livro seminal de 1971, que ele é celebrado. Nele, Rawls refunda uma espécie de contratualismo em prol de uma justiça política e econômica que se aparta do utilitarismo em voga, desde os tempos de Jeremy Bentham (1748-1832), entre os pensadores políticos anglo-saxões.

Como lembram os autores de “O livro da filosofia” (Editora Globo, 2011), segundo Rawls, “a chave para uma sociedade promissora é um contrato social justo entre o Estado e os indivíduos”. E para esse contrato social ser justo, as necessidades de todos os indivíduos envolvidos devem ser levadas equitativamente em consideração. Essa justiça não deve ser baseada apenas em critérios de moralidade ou merecimento individual. Até porque prévias desigualdades sociais ou econômicas tendem a levar a mais injustiças, em prol de pessoas físicas e jurídicas ricas ou poderosas, sempre em prejuízo dos já desfavorecidos. “Esse desequilíbrio deve ser corrigido pelas regras que governam nossas instituições sociais, como os sistemas de saúde, eleitoral e educacional”, anotam os mesmos autores. Essas instituições devem ser acessíveis a todos e redistribuir meios e riqueza quando for necessário.

Na base da “teoria da justiça” de Rawls está a metodologia de decisão baseada no “véu da ignorância”, para mim a sua grande sacada. Se o dilema é como promover equitativamente os interesses de todos, devemos antes cooperar para estabelecer os próprios critérios de justiça, as regras societárias que teremos. Segundo Rawls, em tal situação, devemos lançar mão do tal “véu da ignorância” sobre os fatos das nossas vidas (onde nascemos, quem somos, nossa raça, credo, classe social, talentos ou o que fazemos) e perquirir que regra funcionaria melhor para nós – e para qualquer um – sem levarmos em conta nossa posição na sociedade ou na vida. Como explicam os autores de “O livro da política” (Editora Globo, 2013): “se não sei qual será meu lugar na sociedade, meu interesse racional me força a escolher um mundo [ou regras] no qual todos são tratados de maneira justa”. Para Rawls, só regras assim racionalmente formuladas funcionariam bem. Ou, pelo menos, funcionariam melhor.

Ademais, assim, mesmo num ambiente de liberalismo econômico, numa democracia (o melhor dos regimes políticos), num mundo plural e multicultural, porque sabedoras as pessoas da existência de uma estrutura jurídica e social justamente estabelecida, teríamos uma sociedade coesa (ao seu modo), satisfeita e promissora.

Por fim, anoto: isso – a excelência da tomada de decisões ou formatação de regras sob o “véu da ignorância” – vale tanto para a sociedade como um todo, como para a dinâmica de pequenos grupos. Já testei a fórmula. Podem testar também. Não vão se decepcionar.

 

 

 

 

 

 

 

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *