O PALHAÇO –

Em um pequeno povoado, viviam um palhaço e uma neta. Ele se chamava Bento e ela Ritinha.
Quando Ritinha ficou só no mundo, sobrevivente de um acidente que vitimou seus pais, o palhaço tomou conta dela, servindo-lhe de avó e pai.

O Circo de Bento teve sempre grande afluência e todos os números eram muito aplaudidos. Mas a imaginação e os recursos do comediante em pouco tempo foram se acabando. O público foi ficando cansado das suas piruetas, até que um dia ele percebeu que seus espetáculos mais aborreciam do que agradavam..

Como não tinha aprendido a fazer outra coisa na vida, a não ser fazer piruetas e dar cambalhotas, o palhaço sentiu-se angustiado.
Viu que não poderia mais ganhar dinheiro suficiente para seu sustento e da neta.
Ele se privava de muita coisa, para esconder da menina a dificuldade por que estava passando. Mas, não lhe era possível esconder mais. E numa tarde de domingo, quando se esforçava para fazer rir os espectadores, caiu de bruços no palco, pesadamente, desfalecido pela fome e pelo cansaço.

E o mais triste é que os espectadores desataram a rir, diante da posição grotesca do infeliz. Só quando viram que ele não se mexia é que começaram a ficar sérios. Mas quem mais se assustou foi Ritinha, que saiu correndo em auxílio do avô.

Assim, o palhaço viu-se obrigado a contar à menina que a sua profissão não rendia o bastante para sustentá-los. E, nessa situação, só via um remédio: Falar com a madrinha dela , que tinha boas condições financeiras, e pedir-lhe que a acolhesse em sua casa, pelo menos até que ele melhorasse de vida..

Ritinha chorou muito e não aceitou se separar do avô. Depois de ouvi-lo, sem se afligir, disse:
-Não será preciso eu me afastar de ti. Temos vivido juntos até hoje e assim continuaremos.

Se o teu trabalho já não agrada no circo, procuraremos outro.

– Mas eu não sei fazer outra coisa, querida- disse ele com os olhos cheios d’água.

-Podes variar o espetáculo…E eu te direi como. O mágico Santino pode nos ajudar…

-Bento reagiu, dizendo que Santino era um mágico muito fraco e que nada poderia fazer por eles.
É capaz de nos receber e nos tratar como a qualquer um dos seus animais! Mas, ao pronunciar esta ultima palavra, a menina gritou de alegria:

-Aí está a ajuda que precisamos! Falou Ritinha. – E se Santino lhe emprestar um dos seus maravilhosos sapos? Faz-se o que se quer com eles. São ensinados!…

Bento pensou um instante que, se o mágico quisesse lhe ceder um dos seus bichos, tudo estaria resolvido. E, em seguida, foi com a neta à casa do velho Santino, a quem contou o aperto por que estava passando.
O velho mágico, depois de ouvi-lo sem dar muita atenção, falou:

-Estás certo de que só desejas ganhar para o teu sustento e o da pequena?

-Nada mais desejo, acredite. – respondeu o palhaço. E se me impões alguma condição para limitar o meu pedido, estou pronto a atendê-lo.

-Para que? Tua própria conduta será uma garantia. Segue-me.

E em companhia de Bento e Ritinha, foi Santino até uma espécie de gruta sombria, onde inúmeros sapos pularam satisfeitos ao verem o seu benfeitor.

O mágico olhou-os um momento, e depois fez sinal a um deles para que se aproximasse. O sapo maior de todos era da cor de ouro. Avançou obediente e parou aos seus pés. Este lhe falou calmamente e logo conseguiu o que desejava:

-Este senhor é um palhaço que não ganha nem para comer. E penso que se algum de vocês trabalhasse com ele, teria maiores resultados. Por isso achei que você, como o mais velho de todos, poderia ajudá-lo. Mas a minha decisão depende da sua vontade.
Você concorda?

O sapo acenou com a cabeça afirmativamente e escreveu no chão, com uma das patas, a palavra “Sim”.

-Está bem – acrescentou o velho mágico– e agora mostre o que você sabe fazer! – E tirando uma pequena flauta do bolso ,começou a tocar.

Ao som da música, o sapo se pôs a dançar graciosamente. Depois, exibiu diversos números de saltos mortais, andou de cabeça para baixo, equilibrou-se sobre um arame finíssimo e terminou a exibição, escrevendo com palitos, números romano que lhe foram ditados.

-Maravilhoso! – exclamou o palhaço – Farei uma fortuna com ele!

E, notando o olhar de censura do mágico, retificou: – Perdão. Eu não pensei no que disse. Ficarei satisfeito em ganhar para nos mantermos…

-Não duvido – disse o mágico – mas ainda preciso lhe dizer uma coisa: este sapo só se alimenta com as flores de uma árvore que só há no meu jardim. Todos os dias você terá que vir buscar uma. E, mais outra coisa: a cada flor que você levar para o sapo, terá que colocar uma moeda em um cofre. Não é um pagamento, pois, em qualquer ocasião que desejar, pode vir buscar as moedas. Mas não se esqueça de que o sapo precisa alimentar-se diariamente com estas flores.

Sem esperar que o mágico desse ordem para que se retirasse, Bento foi saindo com o portentoso sapo, acompanhado da menina.

Nessa mesma noite, apresentou ao público o animalzinho e o entusiasmo causado foi tão grande que o palhaço teve logo a certeza de que a sua subsistência e a de Ritinha estavam garantidas.

O sapo tornou-se popular entre a gente da terra, e a cada noite mais se enchia a sala de espetáculos. Mas os espectadores eram pobres e a renda arrecadada nas entradas chegava apenas para uma vida modesta, e para colocar no cofre, em troca de cada flor, uma moeda.

Um dia, o palhaço, depois de muito pensar, disse a Ritinha que seria mais vantajoso eles irem para uma cidade mais populosa. Depois, não era nada de mais desejar-se um pouco de conforto…

A menina disse que não era direito o que ele queria, e lembrou-lhe a dificuldade em apanhar, todos os dias, no jardim do sábio, a flor para alimentar o sapo.

-Não te aflijas por isso – disse-lhe Bento – Ficaremos em uma cidade perto daqui e terei tempo para vir buscar a flor alimentícia.

A mudança deu resultado, mas o palhaço não se satisfez, e tempos depois falou para Ritinha:

-Numa distância de duas léguas daqui, há uma importante cidade. Amanhã mesmo partiremos para lá…

-Mas – retrucou a menina – as flores? Assim não te sobrará tempo para vires buscá-las todos os dias.

-Este assunto já está resolvido. Acabo de comprar um cavalo. Terei tempo de ir e voltar.- Disse Bento

E realmente, a ideia do palhaço teria sido boa, se a sua ambição não aumentasse dia a dia. Graças à ligeireza do animal, trazia diariamente a alimentação do sapo.

O mágico de nada suspeitava. O palhaço, então, passou a desfrutar de uma vida de luxo e desperdício e como gastava mais do que ganhava, chegou o dia em que teve de mudar novamente de cidade, porque as habilidades do sapo já não produziam para os seus gastos.

-O cavalo pode dar mais do que tem dado – pensava ele.

E assim fez. Exigiu do pobre animal, à custa de chicotadas, o dobro do esforço, até que sucedeu que, certa vez, quando voltava com as flores, o cavalo caiu de cansaço. O palhaço ficou muito aflito e se pôs a correr para ver se conseguia vencer a distância que ainda lhe faltava para chegar em casa.

Assim que chegou, viu que Ritinha estava muito triste e percebeu que alguma coisa grave tinha acontecido. O sapo tinha morrido por falta do alimento.

Dessa maneira, ficaram em pior situação do que antes.

Bento não tinha coragem de pedir, mais uma vez, auxílio ao mágico. Mas, Ritinha achou que deviam recorrer novamente a ele. Ela sentia que o velho Santino os esperava.
E assim aconteceu. Quando ele viu Bento chegar, muito triste e trazendo Ritinha pela mão, falou-lhe com ironia:

-Voltaste antes do que eu esperava! Já sabia que não te conformarias em ganhar só para o teu sustento e o da tua neta. Mas não te culpo. Não és melhor , nem pior do que os outros. Esta experiência te fará compreender que cada um deve viver com o que tem e se sentir feliz, tendo o necessário. Mereces este castigo, mas a menina não deve sofrer por tua ambição. Aqui está o cofre. Quando te pedi que, em troca de cada flor que levasses deixasse uma moeda aqui, era porque queria reunir, para Ritinha, uma pequena fortuna, pois tinha certeza que voltarias a me pedir auxílio. Não tem grande coisa, mas até que a sorte se lembre de ti novamente, dará para os dois.

O palhaço, ao sair da casa da Santino, reconheceu que a sabedoria do mágico lhe havia dado uma boa lição. E assim, resignado, pensou que não havia outro remédio se não voltar ao seu primitivo Circo.

E quando voltou, foi muito bem sucedido, porque todos já tinham esquecido seus números, suas graças e piruetas, e o aplaudiram como se fosse a primeira vez que o vissem.

 

 

 

 

 

 

 

Violante Pimentel – Escritora

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *