O PALCO DA MELHOR IDADE –

A cena é comum e ocorre, mais ou menos, a cada quinze dias. Visito a farmácia da minha preferência e saio de lá com um verdadeiro pacote, uma “feira” de remédios. Os clientes da compra somos eu e a minha mulher, ambos portadores de comorbidades e necessidades próprias de quem está vislumbrando os oitenta anos. Não precisaria ser assim, mas infelizmente o é. Os cuidados com o corpo e a saúde que não tivemos quando jovens fazem falta no momento em que não há disposição ou energia para enfrentar penosos e dispendiosos tratamentos que nos são sugeridos ou prescritos por médicos e outros profissionais de saúde.

Há alguns anos, quando participava de um grupo musical composto por idosos a partir de cinquenta anos, me divertia com uma colega que, ao ser classificada como integrante da recém nomeada “melhor idade”, reagia com irritação e até revolta. Entre palavrões e impropérios, ela dizia que, na verdade, estaria sofrendo a sua “pior idade”! Embora convivendo e conhecendo o seu irascível comportamento, até lhe dávamos razão, mesmo reconhecendo os exageros do protesto.

É verdade que os desafios para uma vida confortável e tranquila na maturidade são maiores do que os da juventude, guardadas e observadas as diferenças etárias. Na minha juventude, até mais ou menos os 52 anos de idade, com certas regularidade e competência, eu jogava futebol como um disposto e aguerrido atleta, sem habilidades especiais, sem características ou jeito de craque, mas com fundamentos técnicos suficientes para ser aceito nas equipes amadoras em que atuei. Em relação ao esporte em geral, foi muito pouco; para mim, foi bastante para o exercício da socialização e do gregarismo que, no final das contas, era o meu objetivo principal.

Com o tempo, talvez sem perceber ou sem explícita intenção, tratei de cultivar os hábitos intelectuais e os dons musicais que hoje são a base do meu sustento psicológico e mental, ferramentas úteis para ajudar a encarar a ideia do irreversível e inelutável porvir. Não recrimino e até louvo aqueles que procuram outros meios para sobreviver com a melhor qualidade das suas vidas. Só procuro e espero que essa luta seja travada sem muito, ou nenhum, sofrimento, que é aquilo de que sempre fugimos e o que evitamos a vida inteira. A preocupação com a aparência física e a busca pela manutenção do desempenho amoroso e sexual é, sob a minha análise, um dos motivos de angústia e aflição para alguns conhecidos que adotam e nos estimulam a procurar, nos atalhos farmacêuticos, cura ou ajuda para preservar a virilidade e o vigor naturalmente fragilizados.

“A velhice está na cabeça”, dizem uns; “a idade está no corpo”, dizem outros. Como é difícil entender ou atender cada opinião, delego ao meu espelho e aos meus movimentos físicos a definição ou o acatamento das sentenças. Tento viver com as limitações impostas pela minha idade, acreditando na feira quinzenal dos remédios, em cuja eficácia os médicos nos fazem crer e confiar, e na minha ainda viva lucidez, aquela que me transforma em contador de histórias, cultivador das memórias pessoais e urbanas, de novas e antigas amizades, habitué de leituras e audições musicais, e paparicador de filhos e netos. Esta, até agora, tem sido a minha atuação no teatro da chamada “terceira idade”, um neologismo apropriado para escamotear o seu verdadeiro significado: o fim da vida, o ocaso da existência, o buraco negro de onde não se retorna. Resta para nós, presas de bloqueios e limites,  respeito e obediência a esse protagonismo; a aceitação do nosso verdadeiro papel no palco da melhor idade.

 

 

 

 

 

Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais

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