O JOGO – 
Cena ocorrida pelos caminhos do século passado, meados da década de 60.
Numa cidade do interior nordestino, Seu Messias, comerciante e religioso fanático, sabia a Bíblia decorada, e gostava de pregar o Evangelho a toda hora. Falava difícil e gostava de impressionar os ouvintes, usando sempre palavras desconhecidas, tiradas do dicionário. As pessoas simples, que o escutavam, não entendiam nada.

Era convencido de que o homem mais santo, mais honesto e mais inteligente do mundo era ele mesmo. Acima dele, só havia Jesus Cristo. Gabava-se de respeitar a lei e tinha horror a jogo de azar, principalmente ao jogo do bicho. Sabia que, de acordo com a lei, jogo de azar era contravenção penal. Gostava de dizer que o seu dinheiro era fruto do trabalho honesto. Ficava no balcão da sua mercearia, das 7 horas da manhã às 5 da tarde. Ia em casa almoçar ao meio dia e antes das 2 estava de volta.

Certa manhã, entrou no seu estabelecimento comercial um cambista chamado Chicão, com o talão de apostas na mão, insistindo para que ele jogasse no bicho:

– Seu Messias, faça aqui uma aposta no bicho, pra me ajudar! Meu talão ainda está inteiro… Tenho um palpite pra hoje, e tenho certeza que vai dar Galo, 13. Tive um sonho de ontem pra hoje e quando eu sonho, é “batata”! .

Seu Messias danou-se de raiva e disse uns desaforos ao cambista:

– Rapaz, como é que você tem um atrevimento desse? Adentrar ao meu estabelecimento comercial, propondo-me que cometa uma contravenção penal!! Jogo do bicho é contra a lei e coisa do Satanás! Eu sou um homem temente a Deus e um cidadão íntegro! Tenho princípios morais!!! Você me respeite!!!

O cambista não conseguia entender o motivo de tanta indignação. Afinal, muita gente boa da cidade jogava no bicho, abertamente. E ainda insistiu:

– Estou precisando de dinheiro pra feira, seu Messias. Meu trabalho de cambista é o que me sustenta. Jogue, ao menos pra me ajudar!

O comerciante, para se ver livre do cambista, e também para ajudá-lo, deu-lhe 5 cruzeiros, e pediu que fosse oferecer jogo a outra pessoa.

O cambista saiu encabulado e nem sequer agradeceu os 5 cruzeiros.

No final do expediente, Chicão entrou novamente na mercearia e foi recebido pelo comerciante com “quatro pedras na mão”:

– Não acredito que você voltou aqui para me encher o saco novamente!

E o cambista, sorrindo, respondeu:

– Seu Messias, o bicho foi GALO e o senhor ganhou na milhar!!!

Perplexo, o comerciante perguntou:

– Como ganhei, se nem ao menos joguei?!!!

Chicão respondeu:

– O senhor ganhou na milhar. do Galo. Já trouxe seu prêmio. Com aquele dinheiro que o senhor me deu, fiz uma aposta pequena pro senhor e ainda fiz uma feirinha..

Seu Messias, fingindo indignação, rapidamente, respondeu:

– Para não ser grosseiro com o distinto, vou receber este vil metal, mesmo contra os meus princípios morais!

E, por curiosidade, perguntou:

– Que sonho foi esse que você teve?

Orgulhoso por saber interpretar sonhos, Chicão respondeu:

– Eu sonhei que estava trepado num coqueiro, tirando coco. Um coco, quando a gente parte, vira duas quengas. Quenga é “mulher da vida”. “Mulher da vida” é galinha. E quem gosta de galinha é GALO!!! Foi o meu palpite do dia!

Seu Messias deu uma pequena gratificação a Chicão e nunca mais deixou de jogar no bicho.

Violante Pimentel – Escritora
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