O COMPORTAMENTO HUMANO, A FIDELIDADE DIVINA E AS PLACAS TECTÔNICAS –

É impressionante como as pessoas são chacrinianas, aquele que não veio para esclarecer e sim para confundir. O péssimo comportamento humano em relação ao meio ambiente pode ser sentido pelo aquecimento global descongelando glaciares, pelos níveis de poluição ocasionando doenças, pela ameaça de uma qualidade de vida insuportável em alguns milhares de anos. Entretanto, querer atribuir o deslocamento de placas tectônicas à nossa má conduta ambiental é má fé cínica ou obtusidade córnea. Como diria um certo professor: eu não consinto que você confunda cinto com funda nem funda com cinto. É bom não confundir a obra de arte do mestre Picasso com a pica de aço do mestre de obras.

Aprendi, desde os tempos em que ajudava missa, que todos os que crêem são fiéis. Faz algum tempo que uns beócios colocam adesivos nos carros afirmando que Deus é fiel. Quem tem que ser fiel é o pecador, que já nasce nesse estado pelo pecado original que não foi cometido por ele e nunca foi perdoado. Um artigo que me foi indicado pelo colega Ivis Bezerra, de autoria de Cláudio Guimarães dos Santos, na folha de São Paulo, indaga com veemência: “Eis uma frase que vemos, atualmente, estampada por toda a parte. Mas, afinal, o que diabos significa dizer que Deus é fiel?” E, mais adiante, complementa:

“a quem, nesse caso, seria Ele fiel? Aos católicos que trucidaram protestantes ou aos protestantes que trucidaram católicos? Aos nazistas que assassinaram judeus nos campos de concentração ou aos israelenses que supliciam palestinos nos campos de refugiados? Aos muçulmanos que mataram “ocidentais” no 11 de Setembro ou aos “ocidentais” que massacram muçulmanos no Iraque e no Afeganistão? A Stálin, Pol Pot e Mao, que eliminaram dissidentes como matamos mosquitos, ou a Hitler, Mussolini e Franco, com suas terríveis atrocidades? Aos corintianos que esfolam palmeirenses (e vice-versa) ou aos cronistas esportivos que, por maldade ou ignorância, estimulam a violência nos estádios?

“Infelizmente, se examinarmos as coisas como de fato se apresentam -tendo a história como suprema corte, como dizia Hegel- e não com os benevolentes olhos do “outro mundo”, forçoso será concluir que o Pai Eterno se mostra bem mais fiel aos que esbanjam dinheiro nos shoppings de luxo do que às crianças que se acabam nos semáforos; aos que erguem as odiosas barreiras transnacionais do que aos migrantes de todas as latitudes que não se cansam de tentar atravessá-las; aos malandros que vendem a salvação neste ou n’outro mundo do que aos crédulos que tolamente a compram; enfim, aos malvados, desonestos e egoístas do que aos bons, corretos e solidários.

“Eu, que não sou teólogo, ouso crer, piedosamente, que Deus -se é que Ele existe- não é fiel a mortal algum, mas unicamente a Si mesmo, à Sua inextricável complexidade, à Sua silenciosa incompreensibilidade, à Sua incognoscível natureza (incognoscível, quem sabe, até para Ele).

“O que nos resta, a nós mortais, se formos lúcidos, é o enfrentamento cotidiano da terrível solidão desses espaços infinitos, que tanto assustavam Pascal, e dos quais provavelmente não virá resposta alguma, sobretudo se as perguntas forem feitas por pseudossacerdotes ou por políticos de ego inflado.

“O que precisamos, no fim das contas, é ter coragem para lutar contra a tendência universal da humanidade a se curvar e a obedecer, que é muitíssimo maior do que qualquer eventual vontade de autonomia. Por causa dessa tendência, uns poucos “lobos” espertalhões são capazes de pastorear rebanhos gigantescos de “carneirinhos humanos”, que se prostram agradecidos ao jugo do chicote, sempre contentes e -claro- fidelíssimos.”

Os chamados desastres naturais, que tem ceifado milhares de vida em todo o mundo, ultimamente com uma violência nunca vista, inclusive aqui no Brasil que se vangloriava de não ter vulcões e terremotos – mas as enxurradas com desabamentos têm feito estragos igualmente tenebrosos – não têm nada a ver com o comportamento humano ou com a fidelidade divina. É tudo acaso, fado, sorte, destino, casualidade, imprevisão, fortuna, fatalidade, fortuito. Só a álea, que é a probabilidade de perda/azar concomitante à de lucro/sorte pode justificar tanta crueldade. Como dizia Castro Alves em seu Navio Negreiro, se referindo ao sofrimento dos escravos:

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura… se é verdade

Tanto horror perante os céus?!

Até o próprio Jesus se sentiu abandonado por Deus, quando foi crucificado. Essa foi uma das sete frases ditas por Jesus na cruz do calvário, sendo registrada nos Evangelhos de Mateus (cap. 27:46) e Marcos (cap. 15:34): “Eloí, Eloí, lamá sabactâni” significa “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste”.

 

Armando Negreiros – Médico e Escritor
 As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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