O BAR SEM NOME

Existia em São Paulo, na Rua Araújo, perto da Rua Major Sertório e da Av. Ipiranga, no Centro Histórico da cidade, um barzinho pequenininho, chamado “NN” (abreviação da expressão inglesa No Name: Sem Nome). Não havia nada escrito em sua fachada. Simplesmente era uma porta larga, aberta. Começava a funcionar às dez horas da manhã e só fechava quando o último freguês ia embora. Josias (não estou certo do nome) era o dono e o único funcionário; bar-tender, garçom, faxineiro e pau para todas as obras. Era um bar de homens. Quase nunca havia mulheres.

O ambiente era aconchegante. Sofás de couro, um defronte do outro, separavam suas seis mesas, o ar condicionado controlava a temperatura e um exaustor fazia o ar circular e retirava a fumaça dos cigarros, charutos e cachimbos. As paredes eram cobertas com lambris de madeira escura. Na parede, atrás do estreito e diminuto balcão, ficavam as garrafas de bebidas, sempre em número de três para cada tipo. Na parede do fundo havia um quadro da Rainha Elizabeth II, meio sorrindo, meio séria, com um selo dourado redondo, e um brasão com os dizeres: “By appointment to hm the queen” (por nomeação de Sua Majestade a Rainha). Perguntado sobre o quadro, ele desconversava e não dizia nada.

O mais importante era que seu whisky era honesto e os queijos, seu único tira-gosto, eram de boa procedência. Durante a tarde, recebia executivos de bancos, das empresas de turismo e viagens, dos inúmeros escritórios situados na redondeza, principalmente dos Edifícios Itália e os que ainda existiam no Copan. O maior movimento era na hora do happy hour. Fui levado ao NN pelos meus amigos Flávio Pacheco e José Pedro Canovas, na época em que éramos auditores na Deloitte-Revisora.

Tempos depois, já trabalhando no Banco Real, como Diretor Adjunto das empresas de seguro, recebi um telefonema de Antônio Sansão, Diretor Geral da organização (na verdade, ele era a segunda pessoa no comando do conglomerado financeiro dirigido por Aluysio Faria), pedindo para eu ir até sua sala, urgente, pois tínhamos um problema delicado para resolver. O problema: demitir (sabidamente por justa causa) um diretor das empresas de seguro do grupo, pessoa a quem eu era formalmente subordinado. O meu espanto foi autêntico.

Sansão explicou-me: Primeiro, ele daria a entender que a saída não seria só do diretor demitido, que haveria outras dispensas e que eu poderia ser atingido. Segundo, porque, devido à natureza do demitido, ele poderia ter uma reação indesejável e criar um clima que poderia contagiar outros colaboradores. E, terceiro, ele soube que eu conhecia um lugar adequado para isso. Um barzinho na Rua Araújo, do qual ele soubera por “por ouvir dizer”.

Chegamos ao NN por volta das três da tarde, conversamos e tomamos whisky honesto, com tira-gosto de queijos de boa procedência. A demissão aconteceu sem trauma e sem vexame. Saímos de lá perto do encerramento do expediente, pois ainda teríamos de dar ciência da solução do caso ao dr. Aluysio Faria.

No outro dia, ao chegar à minha sala, encontrei uma caixa de isopor, com oito embalagem de sorvete de dois litros, sabor chocolate com menta, da La Basque (que também era do dr. Aluysio), e mais 20 barras de chocolate belga, da Godiva. Presentes de Sansão, meu chefe ad hoc, e de todos os que trabalhavam no grupo; menos o mandachuva, é claro.

Passado um mês ou mais, voltei ao NN. Tão logo me viu, Josias veio ao meu encontro. Queria que eu lhe ajudasse a resolver um problema:

– Lembra daquela última vez em que você esteve aqui? Aquele senhor que estava ao seu lado pagou a conta. Acredito que aquele outro, que estava à sua frente, não viu e pagou de novo; deixou o dinheiro em cima da mesa. O que eu faço?

*Publicado originalmente em Tribuna do Norte. 27 out. 2021

 

 

 

 

 

Tomislav R. Femenick – Jornalista e Mestre em Economia, pela PUC-SP

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