O AMÁVEL PINTOR –

A classe mais unida que existe no mundo é a de boêmio.

Entre eles, a solidariedade é grande, em tudo.

Renildo, grande boêmio e pintor de Natal, iniciou sua carreira ainda menino, desenhando e pintando o que quisesse, nas paredes internas da casa de seus pais. Apaixonados pelo filho, eles valorizavam e aplaudiam a sua arte, o que contribuiu para que ele crescesse e, no futuro, se projetasse como um grande pintor autodidata.

Com o tempo, a arte de Renildo tornou-se conhecida e começou a render frutos. Um bodegueiro, que morava na mesma rua que ele, amigo do seu pai, ficou impressionado com a beleza das letras que viu pintadas por ele nas paredes internas da casa, e o contratou para pintar um letreiro, dando nome à sua bodega, que passou a se chamar “CANTINA SÃO JOÃO”.

Depois disso, Renildo passou a ser contratado para pintar nomes de lojas, repartições públicas e até instituições bancárias. Não lhe faltava serviço.

Abriu logo uma conta num banco e juntou dinheiro. Pouco depois, como grande boêmio que era, sacou a metade do dinheiro, e foi farrear no Recife, num final de semana.

Familiarizou-se com o meretrício e apaixonou-se pelas mulheres. Nos cabarés onde chegava, era sempre uma festa. Enquanto estava ali, era o rei das mulheres. Quando se despedia, elas continuavam trabalhando normalmente, na linha de frente do serviço. Ele não exigia exclusividade.

Casou-se por conveniência, com uma mulher direita, mas não deixou que ela lhe botasse cabresto.

Nunca deixou de farrear na companhia de amigos, mas tinha sempre o cuidado de fazer uma boa feira semanal, abastecer a despensa e deixar sempre com a esposa, uma reserva em dinheiro, para alguma eventualidade.

Saía de casa, aos sábados pela manhã, depois de fazer feira, mercearia, e arrumar, ele mesmo, a despensa. Tomava banho, se arrumava, colocava dinheiro no bolso, e dizia à esposa que iria se encontrar com os amigos e tomar umas cervejas.

Essas saídas podiam ser rápidas ou não. Renildo chegava a passar, vários dias fora de casa.

Nesse tempo, a dificuldade de comunicação era grande. Celular não existia, nem em sonho. E a mulher de Renildo se acostumou ao seu modo de vida, mesmo vivendo preocupada com ele.

Numa certa manhã de sábado, Renildo fez a feira e a mercearia habituais, e enquanto arrumava a despensa, a esposa lhe disse que ele tinha esquecido das laranjas.

Depois de tomar banho e se arrumar, Renildo lhe disse que iria voltar ao Mercado, somente para comprá-las. No caminho, encontrou alguns amigos que estavam à sua procura e lhe convenceram a ir comprar laranjas em Ceará-Mirim, que era para onde eles estavam indo àquela hora. No máximo, às três horas da tarde, estariam de volta. Ele topou na hora.

Em Ceará-Mirim, não encontraram laranja nenhuma, mas havia feijoada e churrasco na casa de um amigo. Às três horas, alguém perguntou se a turma topava ir tomar banho na barragem de Poço Branco (RN), e de lá, iriam à Vaquejada de João Câmara, que teria três dias de forró, com muitas mulheres. O dinheiro da gasolina, Renildo disse que garantia. Ele, no seu Jeep Willys 51 e a turma atrás, em dois carros, se dirigiram em busca da vaquejada.

No terceiro dia, Renildo, comprou 2 bermudas, duas cuecas e duas camisas numa lojinha, tomou um banho, mudou de roupa e foram “tomar uma” na fazenda de um amigo. De lá, a turma foi farrear em Areia Branca, onde um cunhado de um deles estava aniversariando.

No dia seguinte, foram para o Assu, beber na “Adega”. De lá, foram até a praia de Tibau, em Mossoró.

Continuaram a farra, pelas cidades por onde passavam.

Dormiram na fazenda do pai de um amigo e depois do café da manhã, prosseguiram farreando por onde passavam, até que chegaram a Sobral, no Ceará. Lá, Renildo foi abordado por um conhecido, que convidou a turma para uma festa em sua fazenda, em Picos, no Piaui. Houve churrasco e bebedeira à vontade.

No 25º dia, resolveram farrear em Pernambuco. De Boa Viagem, foram até Caruaru.

No 30º dia de farras, Renildo resolveu voltar. Queria retornar a Natal e precisava providenciar seu “salvo-conduto”. Iniciaram a viagem de volta.

Pararam no Mercado Público de Bayeux, Município da Paraíba, para Renildo comprar as laranjas. Ele comprou cinco centos de laranjas, embaladas em três sacas de estopa, que foram postas no seu Jeep.

Retornaram a Natal. O Jeep de Renildo e os dois carros formavam um “comboio” de cachaceiros, com cana dormida.

Ao chegar em casa, Renildo encontrou a sogra na calçada, acalentando um neném nos braços, nascido na ausência dele. De cara feia, a mulher disse:

– Não fale comigo, seu safado. Esse tempo todo, você longe de casa, sem dar notícia! E minha filha em “estado interessante”, mais uma vez, deu à luz sem ter o marido perto!

Revoltada, a sogra recusou o abraço que o genro quis lhe dar. Ele disse que ia somente abraçar o neném, mas, a abraçou à força, feliz da vida com o nascimento de mais um filho.

Santinha, a esposa, chegou à calçada, de cara feia, esfriando um mingau no papeiro. Mesmo sendo uma verdadeira santa, não se controlou:

– Renildo, onde você estava? A gente aqui, em tempo de enlouquecer! Eu com as dores do parto, e você farreando! O rádio ligado 24 horas por dia, vendo a hora uma notícia ruim sobre você!!!

O marido respondeu:

– Saí pra comprar as laranjas. Encontrei Vilinha e outros amigos, e eles me chamaram pra comprar laranja na feira de Ceará -Mirim. Lá, não tinha laranja nenhuma, mas estava havendo um churrasco e feijoada na casa de um amigo deles. Às três horas da tarde, me chamaram pra tomar banho na barragem de Poço Branco. De lá, fomos pra umas três vaquejadas e uns dez aniversários.

“Fumaçando” de raiva, Santinha continuou falando:

– “Vamo” entrando e tire logo esta roupa fedorenta a quenga! Tome um banho pra se desinfetar! Como foi que você teve coragem de fazer, novamente, uma coisa dessa? Um mês fora de casa! Eu, mais uma vez, com as dores do parto e você farreando!!!

Ele, calmamente, respondeu:

– Pode me chamar de cachaceiro, cabra ruim, irresponsável e farrista!

Santinha, mesmo sendo uma verdadeira santa, não se conteve:

– Faltou dizer um defeito grande: VOCÊ NÃO PASSA DE UM QUENGUEIRO SAFADO E CÍNICO!!!

Renildo, tomado banho, foi buscar no Jeep as três sacas enormes de laranjas. A mulher, admirada, falou que aquilo era demais e que as frutas iriam se estragar. Ele respondeu:

– Distribua com a vizinhança! Não quero que falte laranja aqui, nem na casa de ninguém!

 

 

 

 

Violante Pimentel – Escritora

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