NOSSOS DOCES BÁRBAROS – 

Em minha companhia, e com os pais, moram hoje dois netos; um com 13 anos, outro com 8. Um, mais velho, com 15 anos, e sua irmã, com 9, estão com seus pais, em outra casa. Mas, na primeira infância, foram criados com os avós.

Sem precisar repetir o óbvio, digo que foram tempos prazerosos, quando pudemos, até como lembrança da infância dos filhos, compartilhar do desenvolvimento dessas criaturas que transformam o cotidiano e a monotonia de nós, aposentados, em frenéticas e inesquecíveis aventuras domésticas, lembrança de um passado de pais responsáveis e destemidos. Morando conosco, nos tornaram participantes do processo de sua formação como seres humanos e sociais. Foi e é assim com todos eles.

A relação com os netos já produziu uma grande quantidade de impressões e atitudes. Algumas opiniões dizem que os avós não devem ser responsáveis pela sua criação; que toda a responsabilidade deve recair sobre os pais. Têm razão, e estes, em geral, não permitem que outros, mesmo que sejam membros da família, intervenham nos cuidados ou na educação das suas crianças. Vivendo sob o mesmo teto, porém, é muito difícil dispensar a intervenção dos velhos, mormente quando adotamos a tradição que afirma: ser avô é ser pai duas vezes. A experiência do convívio tem mostrado que é muito difícil negar ou deter essa interferência.

Com o primeiro neto desempenhei tarefas que muito poucas vezes usei com meus filhos. Com os pais ausentes por motivo de trabalho e outras ocupações, ministrei mamadeiras, troquei fraldas e o acalentei para dormir. Entre 3 e 4 anos, matriculado no Jardim de Infância, eu cuidava do seu banho, de vestir-lhe a farda, organizar o seu material escolar e levá-lo à escola. E de maneira tolerante, e até carinhosa, suportei seus humores e pirraças infantis, satisfeito por ainda dispor de tempo e energia para prestar-lhe atenção e entender suas vontades. Como era pioneiro, acho que merecia esses mimos e regalias disponíveis pelo menos para os primogênitos.

Mas, de alguma forma, foi assim também com os outros. As situações foram diferentes, porém os zelos e cuidados foram iguais. Isto porque é difícil negligenciar atenções a pessoas tão carentes e especiais, mesmo com sua indisciplina natural e seu tolerável individualismo. Assim, não importa que espalhem coisas, que rasguem ou arranquem páginas de livros, que insistam em desobedecer aos comandos adultos, ou que chorem ou gritem por vontades contrariadas. Por força da tolerância e em nome da paz, aprendemos a respeitar as teimosias infantis que reprimíamos com veemência em nossos filhos. É difícil encontrar um avô ou avó que não tenha essa paciência com os netos. São poucos os que lhes negam o desvelado carinho que, às vezes, esconderam dos seus rebentos.

Já ouvimos de vários avós uma declaração que soaria irresponsável, não fosse a intenção jocosa da frase. Criticados por negligência, pela complacência em fazer as vontades dos netos, alguns respondem: “Avô não é para orientar e educar, e sim para mimar e até estragar os seus netinhos”. Não é descompromisso, é a manifestação de um carinho diferente, tolerante, dotado de um paternalismo que não impõe regras, nem foge da responsabilidade e do direito da ascendência natural. Apenas transforma em amor o que é naturalmente tarefa e compromisso, obrigação e ministério social.

Quando jovem, não desejei ser avô, porque não almejava ter filhos. Hoje, entretanto, acho que seria difícil viver sem o protagonismo de uma descendência que ensejou dedicação e muito trabalho; que consumiu preciosas e variadas noites de sono, superadas pelo zelo paternal que faz esquecer a batalha para criar e proteger tão doces bárbaros.

 

 

 

 

 

 

 

Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais

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