NÃO OBSTANTE –

A primeira vez que eu ouvi a expressão não obstante foi numa sala de aula do curso científico. Sim, aquele mesmo de priscas eras. Pois bem! Embora sem entender o significado achei o termo pedante, ainda que tenha ficado atraído pela sonoridade e elegância de como ele fora inserido no contexto da lição.

Em meus textos, sempre que aparecia um espaço adequado para utilizar a dita locução conjuntiva, eu me valia de adversativas do tipo apesar, contudo ou conquanto. Acontece de o não obstante haver se encruado em definitivo no meu subconsciente, sem que dele eu conseguisse me livrar.

Se por um lado eu temia parecer esnobe, por outro, vivia consumido pela vontade de usar, pelo menos uma vez e de forma adequada, a expressão pela qual me encantara na adolescência. A ânsia estava em hibernação, até o não obstante aparecer outra vez e por acaso no meu dia a dia.

Surgiu de forma inusitada e onde eu menos esperava pudesse se apresentar. Repito, em qualquer outra oração eu admitiria utilizarem o não obstante, menos durante uma declaração de amor.

Assistia eu a um filme de época, quando o galã da película abordou a amada e tascou-lhe o dito termo, não uma, mas duas vezes. Decepção total. Não obstante não se coadunava num filme romântico e, jamais, naquela encenação.

O mocinho empedernido e enfatiotado num traje do final do século XIX, portando cartola e bengala; a moçoila, vestindo um modelo menos nobre, mesmo assim cheio de saias e espartilhos escondendo botinhas da moda na época. Com a expressão marcada pela dor e pela decepção ele desabafa:

Não obstante o profundo sentimento que cultivo por vosmecê, as barreiras impostas por nossas condições sociais impedem-me de levar adiante essa ardente paixão que nos une. Não obstante o sofrimento que me proponho suportar, certamente, esta é a decisão mais adequada para nós ambos.

O enredo histórico, que servia de pano de fundo para os dois apaixonados, era de meu interesse. Mesmo assim, preferi deletar o filme dos meus arquivos por conta do não obstante em dose dupla.

Agora, cá entre nós. Por qual cargas d’água eu resolvi escrever tamanha baboseira neste espaço? Deve existir uma razão plausível. Atribuo essa minha alienação ao período que antecede o próximo dia 7 de outubro.

Talvez seja uma forma de aliviar a pressão que me angustia por conta de tantas informações manipuladas, promessas vazias, mentiras deslavadas, esquemas e conchavos que podem beneficiar qualquer pessoa, menos a nação brasileira.

Talvez seja em decorrência da mesmice de sempre utilizada pelos mesmos pretendentes a cargos públicos na política partidária. Talvez por não antever nenhuma mudança no cenário nacional, porquanto não haver sinceridade nem viabilidade nas propostas apresentadas pelos disputantes.

Não obstante ser uma obrigação do cidadão ciente de suas responsabilidades perante à sociedade, nada me induz ao deslocamento às urnas no próximo pleito para sufragar meu voto.

Mesmo sem motivação, irei sim, votar. Não obstante os nãos obstantes em jogo.

 

 

José Narcelio Marques Sousa – É engenheiro civil – [email protected]

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