AB DIOGENES DA CUNHA LIMADiógenes da Cunha Lima

“As mulheres sabem de tudo”. (Provérbio latino)

Mulher só é mulher na mágica do momento. (DCL)

Apesar da igualdade estabelecida por lei, à mulher brasileira é restrito o acesso aos direitos sociais. Quem nasce mulher, vive ainda submetida à discriminação advinda de preconceitos. É verdade que estão ocorrendo mudanças, mas em tempo lento. Uma minoria de mulheres ocupam cargos, exercem funções superiores. A maioria das que trabalham ganham menos que os homens.

A nossa herança cultural, beleza da nossa diversidade, não conferiu igualdade. Originalmente, a índia, dada apenas à procriação, também foi usada para o prazer sexual do branco; a mulher negra destinava-se à cozinha, a outros afazeres domésticos e ao prazer do seu dono; as brancas que chegavam vinham de tradição ibérica da mulher inferiorizada, de um povo com 700 anos sob influência da cultura árabe.

Os adágios, ditados, ditos são a sabedoria popular condensada, são usados na linguagem coloquial, uso comum do povo, repetitivo e inalterado. Quando se referem à mulher, apontam para uma intolerância prévia. Advertem, aconselham, recomendam contra a mulher, para o “perigo” que é a mulher. O mais grave é que não tendo autoria conhecida, têm valores metafóricos e muita vitalidade.

Os ditados já nascem com base no preconceito. “Mulher no volante, perigo constante”. Advertência aos pedestres e motoristas masculinos. “Mulher magra sem ser de fome, foge dela que te come”. A rima faz apologia à mulher gorda, doméstica, sem academias de ginásticas. “Mulher de cego, para que se enfeita”?, estabelece a desconfiança à fidelidade feminina.

Os ditados brasileiros são, na grande maioria, acusatório da mulher, denegridores da condição feminina. Assim, é possível anotar alguns. “Mulher boa, ave rara”, quer dizer quase todas são más. “Mulher não casa com sapo porque não sabe qual é o macho”, significa que não sabe escolher e que qualquer um lhe serve. “Mulher sabida é mulher perdida”, o homem não deve deixar que a mulher seja culta.

Alguns versos atribuem falsidade à mulher.   Esta quadra foi recolhida por Helenita Hollanda: “A mulher, por natureza, / Não pode ter fé segura. / Quanto mais fala, mais mente, / Quanto mais mente, mais jura”.

Ouvi, menino em Nova Cruz, o refrão: “Mulher, vento e ventura se mudam ligeiro.” É uma acusação de volubilidade e insegurança da mulher. O refrão me lembra uma ária de Verdi (1813-1901), a sua obra-prima, Rigoletto: “La donna è móbile / qual piuma al vento.” É obvio que existe muita mulher firme, que não é móvel como pluma ao vento.

Nos dicionários de sabedoria popular, noventa por cento dos textos sobre mulheres são depreciativos, noventa por cento dos textos sobre homens são edificantes.

Os adágios, provérbios, refrãos não se referem à importante função social da mulher.   Usam ainda elementos de memorização: rima, métrica, aliteração. Muitos têm origem anedótica, nunca aplaudem, antes fustigam, denunciam. São fenômenos da nossa linguagem e refletem o (popular) brasileiro.

O ponto de vista estabelece o conceito que se tem. Um exemplo: o observador pode ver Maria Madalena, na Bíblia, por dois modos opostos. Um, é uma mulher tão fantástica que foi a primeira testemunha da ressurreição de Jesus. Outro, trata-se da mulher que tinha sete demônios (Mc. 16.9, Lc 8.3). Ou seja: ou Maria Madalena foi distinguida por Jesus, ou foi a mulher que fazia festa aos sete diabos.

O fato é que não está atrelado ao sexo, nem ao caráter, nem ao potencial intelectual e a capacidade produtiva. Assim sendo, cumprindo o preceito constitucional da igualdade dos sexos, deve-se abolir toda a linguagem discriminatória. Com sabedoria, mesmo sepultando a “sabedoria” dos homens.

Diógenes da Cunha LimaEscritor, poeta e presidente da Academia de Letras do RN

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *