MALDADE SEM LIMITE –

Charles não era príncipe, não era rico nem filho de político. Um rapaz simples, tímido e pobre, “gente que a gente não vê, porque é quase nada”. Era mais bonito do que certos príncipes.

Nos contos de fadas, todos os príncipes são bonitos.

Depois de adultos, entendemos que isso não existe. Pelo menos, os príncipes que as revistas mostram são feios pra burro.

Charles tinha o raciocínio rápido, o que é sinal de inteligência. Seu grande defeito, na opinião de dona Matilde, sua mãe, era ser honesto e não saber mentir. Jamais poderia ser político. Charles nem mentia nem deixava ninguém mentir na sua frente. Desmentia em cima da bucha e Isso incomodava muita gente. Charles nasceu no interior nordestino, se acostumou com a pobreza, mas não com a miséria. Sua mãe o incentivava a frequentar a escola e aprender a ler, para trabalhar em loja ou em fábrica. Charles tinha bons sentimentos. Não maltratava animais, nem pessoas. Respeitava a todos.

Desde cedo, a mãe de Charles percebeu que ele era diferente dos outros filhos, nos gostos e temperamento. Detestava mentiras, mesmo que fossem por conveniência. Só dizia a verdade. A verdade “verdadeira”. Não a verdade por conveniência. Dona Matilde não cansava de aconselhar o filho, dizendo-lhe sempre que nem toda verdade deveria ser dita. E ele passou a engolir em seco, procurando abafar suas palavras.

Ele se tornou antipatizado e antissocial.

Entre outras esquisitices, Charles pensava livremente e por conta própria. Ainda adolescente, dizia tudo o que lhe vinha à cabeça, e passou a ser visto como um contestador do regime de governo. A mãe combateu esse seu costume, mas de pouco adiantou.

Os professores se indignavam, porque ele perguntava demais. Tinha ideias próprias e contestava o que ouvia nas aulas, principalmente de História.

Um parente o aconselhou a se tornar bacharel em Direito, tentando convencê-lo:

“-Bacharel é o princípio de tudo! Seja bacharel, e você terá tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo ser subserviente e adulador, você chegará a deputado ou ministro.”

Indignado, Charles protestou e disse que só tinha vontade de trabalhar, e jamais seria puxa-saco de político.

O intolerável parente insistiu:

“- Trabalhando, sem ser bacharel, você vai ser um Zé-ninguém; um empregado medíocre. Vai trabalhar para os outros, quando podia trabalhar para você mesmo.”

Charles respondeu:

-Eu discordo de você, e assunto encerrado!

Charles arranjou um emprego de balconista numa loja, mas foi logo despedido, sem explicação. Mudou de emprego várias vezes, mas destoava de todos os empregados. Por trás dos seus óculos pesados, de “fundo de garrafa”, era cumpridor dos seus deveres. Chegava antes da hora, e era sempre o último a sair.

De poucas palavras, Charles era introvertido. Não falava de sua vida pessoal e não conseguia fazer amigos.

A fama de Charles era gostar muito de trabalhar. Sempre ia além das ordens que recebia do patrão. Isso, os colegas de trabalho não suportavam, e o xingavam de bajulador. Faziam a cabeça do chefe contra ele, até que fosse despedido.

Sua dedicação ao trabalho despertava a ira dos colegas.

Desiludido com a maldade humana, Charles chegou à conclusão de que só vence na vida quem diz sim a tudo e a todos. Contestar não adiantava, pois, na vida, quem anda na linha, “o trem pega”.
O caminho que faz mais sucesso na convivência humana é o da bajulação. E esse caminho, ele jamais percorreria. Entretanto, nunca viu, em sua vida, ninguém prosperar, agindo como ele. Por mais que se esforçasse no trabalho, não galgava nenhum lugar de destaque. Enquanto isso, os bajuladores e desonestos alcançavam os “postos” mais altos.

Charles entrou em depressão, sentindo-se um homem fracassado.
A saúde lhe faltou e ele se fechou em casa, para desespero de sua mãe. A depressão o levou com ele, e com todos os antidepressivos de uma só vez.

Assim como o Alfredo de que falou o poeta Vinícius de Moraes, Charles também era gente que a gente não via, porque era quase nada.

 

 

 

 

Violante Pimentel – Escritora

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