LIGEIROS PERFIS DE VELHAS FIGURAS –

Valério Mesquita (*)

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Gastão – Um Artesão da Amizade

Conheci Gastão Mariz de Faria em 1954, na rua Apodi, quando fui estudar em Natal. Era a casa de D. Paulina Mariz de Faria, sua mãe, amiga e vizinha de minha avó materna Sofia Curcio de Andrade. Alto, magro, gestos comedidos e corteses, foi um embaixador itinerante da fidalguia, reconhecido por gregos e troianos. Impôs uma marca registrada – a cordialidade, numa terra inflamada pelo radicalismo político durante muito tempo. Gastão desfrutava da amizade dos Alves, apesar de tudo, sem deixar de ser fiel ao tio Dinarte Mariz. Por isso, disseram sobre ele – era uma das raras unanimidades da cidade. Exerceu a vereança em Natal, além de deputado estadual. Fui seu colega na Assembleia. Cadeiras vizinhas durante quatro anos. “Toda instituição é a sombra prolongada de um homem”, no dizer de Emerson. O Detran, reestruturado, reordenado, revivido, foi herança de Gastão. Sua obra administrativa, sua logomarca indissolúvel.

O Gastão humano, fraterno, boêmio, fez-me lembrar uma tarde numa varanda diante do mar de Cotovelo. Chegou como que de repente, de assalto. Trazia consigo alguns amigos e várias canções. “A visão milagrosa do oceano beatifica o pecador solerte”. Ali estávamos nós, inspirados pelos bons uísques que entram mais na alma do que certos poemas e livros santos a cantar a vida, o mar, as ilusões. Nunca mais vou me esquecer Gastão, quando interpretou Orlando Silva, sem gaguejar, na letra foi compenetrado e dócil como o seu temperamento, e afinado e leal ao violão como a sua política. “Nada além, além de uma ilusão…”.

Parnamirim era o seu time de futebol querido e a sua cachaça predileta. Muito se identificou com a terra e com a gente. Autor da lei da emancipação política do município, tinha pela cidade um amor filial. Está identificado com essa terra, nas suas entranhas, tanto quanto os velhos pioneiros e os primeiros líderes de Parnamirim.

 

 Eudes Bezerra Galvão

Poucos são aqueles nascidos no Rio Grande do Norte que têm a flegma da intemporalidade e o “aplomb” britânico como foi o nosso Eudes Bezerra Galvão. Era diplomata no gesto e na função. Viveu as descobertas sucessivas nas terras em que viveu (Natal, Rio e Buenos Aires), a paisagem e os homens, além dos mistérios das claridades e das sombras interiores. Fiel missivista dos seus amigos distantes, prestativo e atencioso, agia assim para viver mais intensamente ou talvez, para encobrir a saúde débil, o mal congênito, as dilacerações internas. “Sonhar é o único bem que a gente obtém gratuitamente”. Seus sonhos e seus voos desde a velha Faculdade de Direito da Ribeira, onde fui seu contemporâneo, o fez aprendiz de muitas coisas. Para os seus amigos desse tempo era ao “Senador Pedrinho”, pela convivência íntima com o senador Dinarte Mariz, seu guru.

Foi o primeiro presidente da Emproturn onde revelou o seu talento plantando as raízes do turismo no Rio Grande do Norte. Tive a honra de sucedê-lo. Daí seguiu para Brasília. Seu plano de voo não era de galináceo mas sim de condor. Em seguida, para Buenos Aires, em voo direto, sem escalas, foi ser o representante do governo brasileiro junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Eudes nunca cortejou a popularidade sendo amigo como foi dos políticos. A sua verdade intrínseca era a diplomacia. E Dinarte gostava da firmeza sóbria e honrada do discípulo. Participou do poder sem dele nunca haver tirado proveito próprio ou se conspurcado. Eudes era autêntico e personalíssimo. Nem corrompia nem se deixava corromper pela lisonja, pela erosiva ação do adjetivo laudatório.

Nesta hora de recuperação do seu exemplo, pela celebração da sua memória, constato que morreu na paz do Senhor, tranquilizado, pacificado, reduzido nas suas angústias, como que multiplicado nas suas possibilidades para uma outra grande e nova descoberta de vida.

Theodorico Bezerra – O Velho Majó

Theodorico Bezerra sempre foi e será o capataz dos mistérios circundantes da política do Estado. Político caçador de auroras pelas esquinas do sertão, soube como ninguém falar e entender a língua e o sotaque do povo, os seus costumes, a magia das multidões. Veríssimo de Melo disse certa vez que Câmara Cascudo é um dos nossos artigos de exportação, como o sal, o algodão, a sheelita. O “Majó” também o foi, na vida política do Rio Grande do Norte, porque revelou-se no próprio dicionário vivo do nosso folclore.

O aspecto, dos mais surpreendentes em Theodorico Bezerra, a registrar, residia no exercício pleno da angustiante e tediosa arte política com permanente bom humor, que o fazia ameno e cordial. São marcas registradas de sua personalidade. Já foi dito que um homem é, invariavelmente, a soma de muitos homens que nele vivem. Sobre Theodorico Bezerra, eu não o comparo, eu o separo, na maravilhosa unidade de seu espírito, simplório, autêntico, largo e farto. Teve a força de ser a mídia dele próprio. Criou a sua logomarca num tempo que nem disso se falava. Por isso, não passou passando. Ficou como modelo, produto, marco, de uma época onde havia eleições falsas, mas políticos verdadeiros.

Como Dinarte Mariz, sobre Theodorico se poderá sempre dizer a penúltima palavra mas nunca a última. Eram autênticos.

Em Uirapurú, ex-capital política do Rio Grande do Norte, o velho “Majó” se confunde com a terra e com o povo, passando pelo consulado do Grande Hotel, onde hoje tudo é contemplativo, como uma comovida ressurreição de ambientes e de vultos. À la Proust, na Ribeira velha de guerra, o PSD vive e revive as suas glórias, saudando a figura do “Majó”. E na mesa do banquete a sucessão dos discursos: Georgino Avelino, João Câmara, Dioc1écio Duarte, José Varela, Walfredo Gurgel, Aluízio Bezerra, Jessé Freire, Patrício Neto, Hesíquio Fernandes, Israel Nunes, Túlio Fernandes, Alfredo Mesquita, Manoel A velino, Mota Neto, Coronel José Lúcio, Lauro Arruda, todos heróis de uma página imorredoura da vida política do RN. Da ascensão e queda de tudo isso, Theodorico também ficou como uma lembrança, uma chama votiva que o tempo não apagará. Como o PSD daquele tempo os partidos de hoje não chegam a ser nem sublegenda.

 

 

Valério Mesquita – Escritor, membro da ANL e do IHGRN– [email protected]

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