LIBERDADE EM FORMA DE SORRISO –

Após a pandemia bem cedo do dia, ao praticar a corrida diária, momento em que o sol ainda dormia e a lua preparava-se para também fazê-lo, nas imediações dos Sete Coqueiros, sentado em um dos bancos em cimento, costumeiramente se podia ver certo cidadão mirando a enseada da Pajuçara, ali permanecendo, segundo rumores, até final da manhã e as vezes meados da tarde.

Ao enxerga-lo em seu posto, quase sempre um dos corredores da orla, falando baixinho, lhe distinguia com apelidos diversos: olhe o doido, fiscal de praia, zumbi desocupado. Eu, sempre que oportuno, o cumprimentava, sendo retribuído no gesto.

Certa manhã ao fitá-lo, por instante imaginei a vantagem que possuía, pois do seu posto presenciava acontecimentos, os quais jamais vi ou convivi, por sempre estar me deslocando.

Foi quando resolvi abordá-lo, e no meio de bate-papo singelo, inicialmente achei tratar-se de uma criatura até certo ponto tola ou mesmo recalcada, econômica nas palavras, insistindo em manter a simpatia e o sorriso, em simbólica conta bancária tipo poupança, esperando que rendessem, para talvez usar tais atributos.

Detectando ser o mesmo detentor de certa cultura, cheguei a questioná-lo sobre o motivo do seu isolamento, movimentar-se, e para minha surpresa, rapidamente respondeu: “engano seu, nunca estou inteiramente inerte, pois não paro de pensar”.

Desde então passei a encará-lo de outra forma, e respeitando-o, imaginei, na pior das hipóteses, ser ele uma criatura tipo bobo inteligente, que por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo.

Logo fiquei sabendo, havia ocupado alto cargo na estrutura governamental de um dos estados do sudeste brasileiro, quando em meados de 2020, no espaço temporal de trinta dias, perdera mãe, esposa e única filha de pouca idade, para a feroz covid.

Impotente ante a situação, cansado da convivência com áulicos do poder e seus elogios falsos, destinados não ao homem, mas à função exercida, afastou-se da vida pública, sozinho mudou de cidade, passando a residir em Maceió.

Então, entendi tratar-se o cavaleiro solitário, de alguém profundamente triste, com agonia lhe invadindo a alma, atando-lhe solido nó na garganta e apertando seu peito, levando-o a chorar tanto, a ponto de secarem suas lagrimas, levando-o a sempre permanecer estático, olhos saltados sem demonstrar reação, sendo quietude e paz, tudo que desejava. Mas enquanto essa situação não se apresentava, só lhe restava enorme dor.

Em minha percepção, após vivido tamanho drama, o sofrido homem, para ressurgir, deveria administrar a chama da saudade, que dói queimando o que já foi bonito, trincando, amassando lentamente o coração e aceitando ser tal sentimento, amor partido, mas nas lembranças, sempre inteiro e assim, recuperar a liberdade em forma de sorriso e sabedoria para viver.

Recentemente buscando notícias da retraída pessoa, fui informado que não tendo forças para controlar, o caldeirão magico que comandava seu cérebro, houvera, com sucesso, atentado contra a própria vida.

 

 

 

Alberto Rostand Lanverly – Presidente da Academia Alagoana de Letras

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