RINALDO BARROS

“O momento atual não é de acirrar ânimos”. (CNBB)

 Rinaldo Barros

A figura do povo alegre, agregador e tolerante, geralmente atribuída ao brasileiro, é mais um daqueles mitos que tardam, mas não falham em mostrar sua verdadeira face. O termo “cordial” – imortalizado pelo historiador Sérgio Buarque de Hollanda, em seu livro “Raízes do Brasil”, é comumente mal interpretado

No caráter etimológico defendido pelo autor, não é exatamente “cortês” ou “bondoso” o que definiria o brasileiro. “Cordial” vem de coração. Ou seja, é o tipo de pessoa que se orienta de forma passional, muito mais do que pela racionalidade.

E isso, na prática, pode ser bem perigoso, como temos visto com uma assombrosa frequência, nas manifestações recentes, nas ruas e nas redes sociais.

A relação conflituosa entre o amor e o ódio tem levado a atitudes que desconhecem os limites do bom senso. No atual contexto, perdemos a timidez, e agora gritamos ao mundo a revolta generalizada contra tudo e contra todos que pensem diferente.

No debate político, importamos do futebol a rivalidade e os palavrões; das novelas, vieram os arquétipos de “mocinhos” e “vilões”, ou entre “nós” e “eles”; e seu consequente maniqueísmo simplificador.

Além da incerteza sobre o futuro cenário político do país, com processo de “impeachment” da Presidente da República já em curso no Parlamento; o acirramento dos ânimos entre governistas e oposicionistas têm elevado o nível de apreensão de todos que acompanham manifestações políticas.

A intolerância está crescendo em uma velocidade muito maior do que qualquer democrata pode desejar. Quando falamos e não ouvimos, quando agredimos gratuitamente, ou desclassificamos quem pensa diferente, entramos num clima onde o bom senso se ausenta.

E, cá no meu canto, começo a questionar se – com intolerância – é possível sair deste momento político que estamos, para construir um futuro melhor.

Não dá para agredir alguém pela cor da camisa ou pelo adesivo do carro. Isso é irracional. Não deveria acontecer. Mas, está ocorrendo cada vez com maior frequência.

O fato de eu ter uma opinião contrária à sua não me torna melhor ou pior do que você, apenas demonstra que pensamos diferente. E, até onde eu sei, são as discordâncias que fazem uma sociedade mais justa.

Não há como se chegar a solução de um problema se não se discute sobre ele e sobre as suas consequências. É indispensável ter claro que só é possível sair dessa crise através do saudável debate democrático, no qual se respeite a voz das ruas e se respeite as instituições do Estado Democrático de Direito, orientado pela Carta Magna.

Temos hoje, no Brasil, uma situação em que a esquerda brasileira se tornou refém da legalidade. A esquerda perdeu a rua para as manifestações de classe média que, aliás, vem desenvolvendo um certo conteúdo conservador, de direita.

Temo que já esteja em gestação uma ameaça real à nossa frágil e jovem Democracia, ao lado da deterioração de todo sistema eleitoral e da imagem de todos os políticos, em todos os níveis de governo. Isso, em pleno ano eleitoral para renovar os cargos de Prefeito e Vereador.

Para complicar ainda mais, mesmo aqueles que votaram na presidente Dilma, não estão satisfeitos com o governo dela. A presidente não conta com o apoio nem de seu próprio partido.

A defesa da legalidade passou a ser uma necessidade dos partidos, ou dos políticos, (ainda) aliados do PT governo; por uma questão (confusa) de sobrevivência no poder. Uma luta para se manter no poder, sem nem mesmo apresentar qualquer projeto ou justificativa para tal.

Sem falar que o modelo de sociedade pautada por um Estado patrimonialista também está em crise. Há que se reformar o Estado brasileiro, queimando gorduras e reduzindo o desperdício.

Trata-se de um nó górdio (pode ir ao dicionário), como nunca vimos na história recente deste país.

E não nos enganemos. Estamos fomentando uma guerra e, como em todas as outras, o risco é alto de todos sairmos perdendo.

 Rinaldo Barros é professor – [email protected]

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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