AB adauto

Adauto José de Carvalho Filho

Se o Estado promovesse uma pesquisa sobre qual das suas competências o cidadão mais rejeita, a tributação ganharia em disparada. A argumentação, certamente, seria a alta carga tributária brasileira. É a argumentação por repetição. Na verdade, apesar da rejeição, a maioria dos brasileiros não consegue entender o Sistema Tributário Brasileiro e reage, com alguma propriedade, com críticas ao atual sistema, sem, contudo, procurar algum conhecimento que baseie tal posicionamento. Invocando Oto Lara Rezende, grande escritor e poeta brasileiro, ilustramos o presente artigo com uma de suas máximas que referencia o nosso tema: “tenho para mim que sei os primeiros três primeiros minutos de qualquer assunto”. A genialidade do grande escritor e pensador aponta para algumas peculiaridades do povo brasileiro que, entre outras, citamos a superficialidade e a passionalidade.

 Realmente temos uma carga fiscal alta, mas não está entre as maiores do mundo como amplamente propalado nos movimentos sociais, geralmente patronais, contra o formato da tributação brasileira. A relatividade se impõe. A carga fiscal absoluta, ou o quanto à sociedade paga de tributos é alta e um aspecto a considerar, mas a carga fiscal relativa, entendida pela população como o retorno dos tributos pagos em contraprestação de serviços públicos responsáveis e eficientes, é altíssima e o grande aspecto a considerar. O bombardeio de escândalos calando escândalos, denúncias calando denúncias, desmandos de toda ordem praticados pelos agentes públicos induz a interpretação simplista de que tudo cai num enorme buraco negro ou nos bolsos daqueles que são pegos, flagrados ou não, fazendo estripulias com o dinheiro público, em suma, com o dinheiro do contribuinte.

 A indignação social é legítima. O Sistema Tributário Brasileiro precisa de uma reforma urgente, mas, difícil de ser implementada devido a rejeição, pelos entes federativos, que já vivem a exaustão orçamentária, em especial, os municípios. Mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. O papel institucional da tributação é uma coisa, os desmandos generalizados que assola os meandros da República e motiva a descrença do cidadão é outra coisa.

 O papel institucional dos tributos é financiar os fins do Estado, que é a promoção do bem estar social. É um problema legal. Todos os tributos são instituídos por lei e se o atual sistema não está bom, as nossas representações políticas não estão refletindo os anseios da sociedade. E o pior a sociedade elege e reelege os mesmos representantes num estranho processo de anencefalia que demonstra o total descumprimento do seu poder constitucional de mudar pelo voto quando achar que é preciso. Há uma pesquisa informal que mostra que a média de reeleição, por parlamentar, ultrapassa o número de quatro. O cidadão vota uma vez, o parlamentar não cumpre o seu papel e ele ainda o elege por, no mínimo, por três legislaturas. Portanto, em suma, eles estão cumprindo com as suas obrigações e você, como cidadão e contribuinte, continuará a pagar pesados tributos ao governo e assistir, placidamente, verdadeiras farras como o dinheiro público.

 O mesmo cidadão que se indigna com os escândalos e deformidades de toda ordem praticadas pelos homens públicos brasileiros os reelege por mais um não sei quantas legislaturas. Não vamos longe, no Rio Grande do Norte o poder político, que deveria ser exercitado com maturidade pelo cidadão, é utilizado para perpetuar oligarquias políticas seculares. O brasileiro é tão “inteligente” que criou um novo sistema de governo: a democracia hereditária. Eu lembro que na última eleição municipal, um dos candidatos a vereador, nos seus trinta segundos de fama, pedia o voto da sociedade porque ele era filho de um outro homem público. Vote em mim que eu sou filho… (a reticência é sua)

 É uma grande plataforma política!

 É o lado passional da sociedade que justifica as descrenças e frustrações com uma forma errada de posicionamento. “É o rouba, mas faz”. Fazer é obrigação do homem público. Roubar é crime e deve ser punido. E a sociedade não deveria eleger ladrões, mas, infelizmente, a história mostra o contrário. Os homens públicos que são flagrados com a boca na botija (e como tem bocas e botijas) aprenderam a artimanha de renunciar ao cargo para se livrar do processo de cassação, por ter a certeza de que será eleito na próxima eleição, além de se tornar um superstar. E quem o elegerá? É uma pergunta sarcástica e proposital.

 Mas voltemos a tributação.

 O grande problema do Sistema Tributário Brasileiro não é a carga fiscal (reconhecidamente alta), mas o irresponsável e desonesto trato com o dinheiro público. E essa ambigüidade é o prato cheio para aqueles que usurpam o poder da sociedade para atender seus próprios interesses. Eu lembro que em uma das muitas viagens a Recife-PE, a trabalho, e trafegávamos na BR 101, quase duplicada até João Pessoa. O motorista elogiava um determinado presidente por ter feito a obra. Eu perguntei: ele fez com o dinheiro dele? Lógico que não respondeu o motorista. Eu complementei dizendo que o tal presidente não tem mérito nenhum. Ele apenas tomou a decisão de fazer a obra, o Legislativo aprovou o PPA, a LDO e a LOA (as leis orçamentárias) e o tal presidente pode, então, fazer a obra com o nosso dinheiro posto em suas mãos através do pagamento dos tributos. Os governantes brasileiros querem os louros por ter feito alguma coisa. Eles usam o seu dinheiro e ainda querem se eleger por construir um viaduto, por exemplo.

 Além da relação negativa da carga fiscal versus contraprestação de serviços públicos eficientes, o traço mais desumano do Sistema tributário é a regressividade, ou seja, o nosso sistema, é composto basicamente por tributos incidentes na produção e no consumo e que atuam em cascata na composição dos preços das mercadorias e serviços postos a disposição da sociedade. A regressividade é desumana por que em sistemas de tributação indiretos quem paga mais imposto é a classe mais pobre. Todos conhecem o Imposto de Renda (o Leão), o IPVA, O IPTU, mas, certamente, desconhecem o PIS, COFINS, CSLL, ICMS, ISS e uma penca de outras siglas codinomes de tributos, nas três esferas de poder e que são impostos ao cidadão dentro do preço dos serviços que consome e, de alguma forma, alimenta a autofagia do Tesouro Nacional. Só lembram, quando lembram, dos impostos diretos.

Uma reforma tributária é urgente, mas de difícil operacionalização. Não há vontade política. É mais fácil exercitar uma política fiscal para atender a cada momento da nossa economia do que partir para uma reforma que traduza igualdade entre as arrecadações da união, dos Estados e dos Municípios. Em alguns momentos, quando um partido quer levantar uma bandeira de luta, a reforma tributária surge como uma luva. Depois do Programa Eleitoral Gratuito (outra cabeluda mentira nacional), tudo volta a ser como antes e com o agravante de que há um novo tributo rodando os bolsos do contribuinte: a CSS, a famigerada substituta da CPMF, que se apresenta como uma história de trancoso de que será a salvação do Sistema Único de Saúde. Lembramos que a CPMF também era a solução (e fato repetido) e, sobre essa ótica, analisem e reflitam sobre a saúde pública brasileira. Os políticos elogiam o SUS, mas, quando precisam vão para o Hospital Albert Stein. Nada contra os que se tratam em um hospital de referência. Só não dizem quem paga as contas. Eu tenho um leve idéia.

Quem?

Você caro contribuinte…

E, sarcasticamente, faz o papel de vaga-lume, andando no escuro e clareando para trás. Acorde cedo que há uma fila do SUS lhe esperando. Com um pouco de sorte conseguirá atendimento três ou quatro meses depois e, se for necessário usar os serviços do Hospital Walfredo Gurgel, em nossa cidade, leve a maca, senão você vai ficar doente, em pé e sem atendimento. Por fim, uma boa notícia. Os homens do poder estão buscando uma solução… há algumas dezenas de anos.

Deixe de ser apressado, espere… e nas próximas eleições votem nos mesmos. A sua cidadania é diretamente proporcional ao respeito que você tem por ela e, pelo que assistimos, se a colocarmos numa vitrine não valerá nem R$ 1, 99, sem charme algum.

A moda agora é o impostômetro. Um enorme painel eletrônico, mantido por algumas entidades patronais, que monitora a Arrecadação Brasileira em tempo real. Eu me pergunto quantas pessoas param para ver aquele enorme painel e se as poucas que olham, buscam refletir sobre os fatos e como eles interferem em sua vida cotidiana. Parabéns pela iniciativa, mas consciência social se realiza na escola. A educação é o único caminho a ser trilhado. E, infelizmente, é uma área que sempre esteve em baixa para os governantes de plantão, apesar das muitas propagandas governamentais com escolas públicas maravilhosas. Invocando o grande Paulo Freire, “mundo não é, o mundo está sendo”. O Impostômetro é uma forma de comunicação, mas longe, muito longe, de despertar a consciência social. Mas, no Brasil, educação é estatística e, portanto, a crua realidade do talvez.

Adauto José de Carvalho Filho, Auditor-Fiscal da Receita Federal aposentado, Bacharel em Direito, Contabilista, Pedagogo, Escritor e poeta.

 

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