GRAMPEADOR SILENCIADO –

O Plec..plec…plec do grampeador profissional, acionado por um compressor de ar, embala o início da manhã. O som, quase num ritmo musical, anuncia que a cobertura desgastada de um estofado está sendo trocada por uma nova veste, dando ao antigo sofá ou poltrona uma aparência mais moderna, similarmente a um “novo”.

De uns dias para cá, nenhum som. As portas abaixadas da então restauradora ELIAS ESTOFADOS, pareciam anunciar que entrara de férias.

Pois bem!

Depois de uma semana do grampeador silenciado, eis que passo a escutar novamente o plec…plec…plec. De certa forma fiquei animado, pois me acostumei a observar diariamente o serviço dedicado do estofador. Ele, um senhor com seus cabelos bem branquinhos, de nome Elias, que sem descanso, de segunda a sábado (domingo, algumas vezes), fazia o seu trabalho de forma harmoniosa e prazerosa.

Assemelha-se a uma clínica de cirurgia plástica, pois à medida que chegam sofás e outros assemelhados, em condições precárias, saem restaurados e, figurativamente, de autoestima elevada. Se não o objeto, o seu proprietário.

Um fato, no entanto, chamou a minha atenção: o plec…plec…plec emitido pelo grampeador saiam através de outras mãos. Pensei comigo: seu Elias, nem veio hoje! Os dias seguiram-se e nada do “cirurgião” titular aparecer. Dois outros restauradores estavam fazendo o serviço que rotineiramente eram efetuados por seu Elias. Imaginei que seriam irmãos seus, e que estavam ali ajudando a tocar o serviço, talvez acumulado, devido ao volume demandado.

Numa das manhãs seguintes, uma flores foram colocadas ao lado da porta, o que sugeriria algum acontecimento. De pronto, soubemos: seu Elias havia falecido. Era mais uma vítima da Covid-19.

Lamento a perda de um homem íntegro, trabalhador, qualificado no ofício de transformar sofás velhos em novos.

Em retidão, como uma forma de homenagear aquele “cirurgião”, busquei associar a arte de restaurar, com a nossa vida. Em algum momento também somos “sofás” surrados e desgastados com coisas que assolam o caminhar da nossa trajetória. Rancores, desentendimentos, palavras ditas com o intuito de ofender, de humilhar, de desencorajar o sonho de alguém, também precisam de reparos.

Certamente encontramos, notadamente ou discretamente, restauradores das “roupagens” que vamos assumindo à medida que os fatos da vida tomam conta do nosso estado emocional. Sempre haverá alguma mão habilidosa e um coração acolhedor, que se dispõem a ajudar a cada um de nós. Ajuda essa que nos transformará em “novos”. O velho costume, a velha amargura, o velho ressentimento, a velha teimosia foram substituídos por atitudes animadoras impulsionando-nos a continuar a missão dada pelo ‘restaurador divino’.

Sabemos, uns muito e outros menos, que para amadurecermos e crescermos como verdadeiros artesãos da vida, necessário se faz que os plec…plec…plec dos grampeadores de lições edificantes, continuem fixando em nós o “tecido” da fé restauradora em tudo que fazemos.

Que os grampos dos obstáculos não sejam o destaque, mas que a sua ação seja refletida no ânimo de compreender e viver o nosso novo olhar para a vida, compartilhada com aqueles que apenas sentem e priorizam o grampeamento da falta de coragem.

Assim, quando ouvirem por aí um plec…plec…plec, associem a algo novo que está surgindo.

 

 

 

 

 

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras ([email protected])

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