GANHAR OU PERDER –

Os jogadores compulsivos jogam como os apaixonados amam e como os bêbados bebem, sob o império de uma força irresistível.

Há pessoas tão votadas ao jogo, como votadas ao amor. Cultivam seu vício, até diante da morte.

A paixão pelo jogo também é vista como o corvo que vê de longe o cadáver do jogador.

O jogo é uma luta, corpo a corpo, com o destino. Arrisca-se o dinheiro, na certeza de se ter de volta muito mais do que se jogou. O jogador tem tanta certeza de que vencerá, como se por trás da certeza existisse um pacto com o diabo.

O jogo é alimentado por sonhos. O jogador vê no jogo uma divindade e nos jogadores os devotos. A carta esperada ou a bola que corre, dará, talvez, ao jogador os bens materiais que alimentam seus sonhos, sejam viagens, apartamentos, casas de praia, carros de luxo, jardins, parques, bosques, campos e castelos.

O mais terrível do jogo é que ele dá o dinheiro e o tira rapidamente. No jogo do bicho, então, há uma piada que diz: o bicho dá e o bicho mesmo come. É mudo, cego e surdo. Não escuta lamentos. Tem os seus devotos e os seus santos.

Quando o jogador perde, acusa a si mesmo pela derrota e admite que jogou mal. Tal a loucura e devoção que ele tem pelo jogo.

Há quem tenha adoração por jogo, por tudo o que ele promete, e que, por uma sorte grande um dia poderá dar a alguém. Há também aqueles que consideram o vício do jogo uma das maiores desgraças, que penetram na vida do homem pela algibeira, arruínam seu caráter, seu patrimônio e a família. O jogo abrange as cartas, os naipes, os dados e a mesa verde.

Em Nova-Cruz (RN), na época da minha infância, havia dois irmãos, que pareciam dois galãs, por nome Tássio e Tarquino. Eram jogadores de cartas compulsivos. Como perdiam tudo quanto tinham no jogo, chegavam a apostar até a roupa que vestiam. Certa vez, Tássio chegou em casa somente de cuecas, tendo perdido no jogo até o paletó e as calças. A mãe deles, viúva, sofria muito com isso. Essa família mudou-se para o Recife e não foi mais a Nova Cruz.

Pois bem. Um certo vigário de uma pequena paróquia do interior do Estado, que passava por sérias dificuldades financeiras, inteligente e arguto, aproveitando-se das imunidades morais do seu local de trabalho, mandou colocar na sacristia da sua Igreja quatro mesas, em torno das quais reunia todas as noites, alguns cavalheiros respeitáveis, ricos, católicos e morigerados, para jogar “poker”, ou “pôquer”.

Levado o fato ao conhecimento do Arcebispo, este mandou chamar o Pároco à capital, e pediu-lhe explicações. Sem qualquer arrodeio, o Pároco confessou:

– A Igreja, Sr. Arcebispo, estava estragadíssima, e eu, com o intuito de repará-la, saí com o pálio do Santíssimo, a pedir esmolas para as obras. Bati de porta em porta e não consegui nada. Toda a gente era viciada em jogo e dizia que o dinheiro era pouco para jogar na vaca, no burro e no macaco, e não sobrava dinheiro para dízimo.. Diante disso, como o templo ameaçasse desmoronar, resolvi tirar partido da situação, sem comprometer a autoridade divina. Desviei os jogadores de um clube da cidade para a Sacristia da nossa Igreja, e aí passei a arrecadar o “dízimo de Deus”, destinado à substituição das traves, pintura do templo, e restauração das imagens. Minha ideia serviu para que a Igreja passasse a ser mais frequentada. As Missas agora são lotadas, e os devotos permanecem na Sacristia jogando, até o dia amanhecer.

O Arcebispo cochichou com o Pároco e não se sabe qual a sua resposta.

O certo é que a Paróquia prosperou muito e as Missas continuaram bem frequentadas.

 

 

 

 

Violante Pimentel – Escritora

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