AB DIOGENES DA CUNHA LIMA

Diógenes da Cunha Lima

Esta era televisiva, de tevê banalidade e de muito pouco conteúdo, não é privilégio nosso. Na Itália, há poucos canais de televisão, e fui informado de que o controle acionado é do Estado ou do Chefe do Executivo. Porém lá, compensando a pobreza cultural televisiva, há a suprema difusão da cultura através de grandes festivais de filosofia e literatura.

São reuniões alegres, dedicadas a celebrar em festa cordiais encontros com o saber literário e filosófico. São oposições à perda da cultura intuitiva do povo, diria mesmo do senso comum popular. A filosofia e a literatura retiram o homem da condição de massa para transformá-lo em um ser único, singular.

A filosofia ajuda a dar ordem e buscar soluções para a confusa e passiva vida que a humanidade adotou, sem refletir nas conseqüências.   A poesia é a inteligência mais intuitiva.

Os festivais acontecem em Módena e em Mántua, ambas cidades industriais. Módena, na região da Emilia-Romagna com cerca de duzentos mil habitantes, destaca-se na construção automotiva, na mecânica, na química, na indústria alimentar e se orgulha de sua tradicional universidade, abrigando ainda primeiro mapa do Brasil, o Mapa de Cantino (1502). Mántua, Mantova, na Lombardia, tem cerca de cinqüenta mil habitantes, refinaria de petróleo, indústria de papéis e química. Curioso o entusiasmo pela busca da harmonia do espírito, a simpatia por realidades espirituais e pela riqueza intelectual. Em Módena, a palestra do filósofo Reno Bodei foi ouvida por vinte mil pessoas sentadas na piazza, sem contar os que sentaram no chão, ficaram de pé ou nas janelas. Houve cinqüenta mil pagantes a participar do festival. Nos dois festivais, houve perguntas e respostas “com propriedade de pensamento e de linguagem surpreendente”. Como em qualquer outro festival, foram distribuídos autógrafos, houve aplausos, presença de rádio e da televisão. O professor Bodei acrescentou: “Isto é a necessidade de refletir sobre a razão do nosso saber”.

Roberto Franchini, presidente da fundação organizadora do encontro, esclarece: “A TV é equivalente a ‘fast food’ e talvez esse tipo de manifestação seja o ‘slow food’ da cultura”. Segundo ele, a iniciativa parte da “necessidade difusa de comunicação inteligente, de convivência com tantos outros prazeres de ouvir e aprender”. A filosofia não pode oferecer respostas pré-fabricadas, mas nos fornece uma metodologia de como pensar e submeter justas questões. É a mais confortável e eficaz estrada em direção à verdade. Quem poderia imaginar que cerca de um milhão de pessoas foram ouvir Vittorio Sermonti, dantista de voz bonita, ler o Inferno em Santa Maria Della Grazie?

Imagino a presença em festivais como esses de dois professores da nossa universidade federal, Markus Figueira da Silva e Oscar Frederico Bauchwitz. São os autores de Epicuro – sabedoria e jardim e A caminho do silêncio. Markus ensinando a “pensar a natureza e agir de acordo com a compreensão” sabiamente. Penso em Oscar sobre a conduta do homem procurando a sua perfeição. Aí vislumbro a presença dos excelentes e incontáveis poetas do nosso estado.

O certo é que o Velho Mundo está procurando fortalecer o espírito para os problemas da vida, a sua população deseja a ampliação de conhecimentos, com visão especial, a poética, a orientação filosófica para o seu dia-a-dia. Sob a insígnia –“história do mundo patrimônio de todos”, celebrou-se na Itália, em 2003, o V centenário da viagem de Américo Vespucio à América. Constituiu-se um comitê nacional para organizar esse belo projeto intitulado “A Toscana e a América”. Essa grande comemoração vespuciana, fez-me pensar que com toda propriedade aqui também poderíamos fazer “O Rio Grande do Norte e a Toscana”, haja vista os indícios de haver ocorrido em Touros a posse do Brasil. Será sonhar demais?

Recentemente, vimos frustrado o belo projeto da Cimeira da Poesia que a Academia de Letras de Natal realizaria, tal qual aconteceu em Santiago do Chile e em outras capitais. Seria um festival planetário de poesia. Temos todas as condições para fazê-lo. De início, contamos com o apoio da Fundacion Pablo Neruda e de outras instituições importantes, mas, infelizmente, as autoridades daqui que muito prometeram nada fizeram. É possível que, de fato, ainda não possamos ter o incentivo para a cultura na sua valorização máxima, haja vista urgirmos por ações básicas de cidadania como comida, moradia e saúde para todos. Aqui, vamos ter que esperar…

Diógenes da Cunha LimaEscritor, poeta e presidente da Academia de Letras do RN

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