violante pimentelViolante Pimentel

Ele era um garoto órfão de pai e mãe, criado “como Deus criou batatas”. Praticamente, era mantido pela caridade pública. Seu almoço era um pedaço de pão, que alguém sempre lhe dava. Suas roupas eram verdadeiros farrapos, dados por alguma alma caridosa. Seu nome de batismo era João Batista, mas nem ele mesmo se lembrava, pois todos o chamavam de “Farrapo”, referindo-se às roupas rotas que vestia.

Aos dois anos, quando perdeu os pais num acidente de carroça, passou a contar com a proteção da avó materna, que faleceu um ano depois.  Restou-lhe, para o proteger, Donana, uma vizinha velha e cansada, que vivia na mais profunda miséria.

Muito criança ainda, Farrapo se acostumou a sair de casa todas as manhãs, para mendigar o pão de cada-dia. Ficava perambulando pelas ruas, levando no ombro uma velha mochila, onde colocava as esmolas recebidas. Como ainda era muito pequeno e raquítico, a única coisa que lhe restava era a mendicância. Ainda não tinha idade nem resistência física para nenhum trabalho. Escola, naquela época, era utopia.

Farrapo ficava deslumbrado, ao ver os meninos ricos da cidade, brincando nos parques e nos jardins de suas casas, com seus brinquedos maravilhosos. Eram coisas que ele nunca tivera, nem mesmo em sonho.

Parava para assistir as brincadeiras, evitando ser visto, e procurando sempre se esconder atrás de alguma árvore. O garoto ficava  extasiado, imaginando-se no lugar dos meninos ricos, e sentindo até uma leve sensação de felicidade. Uma cena igual àquelas cantadas por Chico Buarque de Holanda, em “Até pensei” – “a felicidade morava tão vizinha, que, de tolo, até pensei que fosse minha…”.Demorava horas nesse enlevo.

Farrapo ficava admirando os carrinhos de plástico, os cavalos de pau, os velocípedes, as bolas e outros brinquedos, que ele jamais teria. Ele via a meninada, corada e bem nutrida, correndo e brincando, e ouvia, uma vez por outra, uma delas gritar:

– Babá! Babá!

Farrapo imaginava que “Babá” também fosse um brinquedo, que os meninos estavam pedindo.

Num certo dia, quando a alegria da meninada se espalhava sobre o gramado de uma casa muito rica, Farrapo se aproximou e ficou apreciando a brincadeira. Enfiou o rosto entre duas plantas, sem que ninguém o visse, e permaneceu olhando aquela felicidade, que estava tão perto dele. De repente, uma das serviçais que brincavam com as crianças foi esconder uma enorme bola, exatamente, no local onde ele se encontrava. Ao perceber a aproximação da moça, o garoto mudou o local do seu esconderijo. Mas a filha dos donos dessa casa rica, que havia se afastado das outras crianças, avistou-o entre as trepadeiras e dele se aproximou. Então, a menina lhe perguntou:

– Onde está sua Babá?

Farrapo respondeu:

-Eu não tenho. Não tenho brinquedo nenhum …

E a menina rica, que estava com um  livro de estórias nas mãos, perguntou-lhe:

-Quer pra você? Ele tem muita figura bonita!

-Eu quero!… Respondeu Farrapo, com os olhos brilhando de felicidade.

E a menina rica lhe entregou  o livro, sem que ninguém percebesse.

Farrapo saiu em disparada, correndo velozmente, e apertando contra o peito o único brinquedo da sua vida. Um mimo, que aquela menina rica lhe havia dado. Ao chegar à sombra de um  frondoso cajueiro, por onde sempre passava, sentou-se no chão, fechou os olhinhos, e, abraçando fortemente o presente recebido, murmurou, cheio de felicidade:

-Ganhei uma “BABÁ!!! É a minha  BABÁ!!!

Deitou-se ali mesmo, inebriado de felicidade, e adormeceu, certo de que o seu presente era o que as crianças ricas chamavam de Babá…

Violante PimentelProcuradora aposentada e Escritora

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