FALANDO EM CARNAVAL –

O assunto é Carnaval, coisa muito importante nos dias de hoje, quando, no nosso País, vivemos um clima de vulgaridade e ofensas.
O Carnaval é considerado reminiscência das festas pagãs Greco-romanas, que ocorriam entre dezembro e fevereiro.

No Brasil, o Carnaval chegou com os portugueses, na comemoração do entrudo, que festejava a entrada da primavera e abria as solenidades litúrgicas da Quaresma, período da abstinência de carne – palavra que designa o nome carnaval.

O entrudo era uma festa barulhenta, suja, e por vezes, violenta.

Foi a partir da segunda metade do séc. XIX, que o entrudo passou a conviver com bailes de máscara em teatros e clubes, à moda europeia.

A primeira música carnavalesca composta no Brasil foi “Ô Abre-alas”, composta por Chiquinha Gonzaga em 1899. Sinhô, compositor da época, também é considerado o pioneiro da mistura de classes sociais no carnaval. Primeiro passo, rumo à concepção atual dos desfiles das grandes escolas de samba.

Aos poucos, o carnaval foi se transformando na expressão que mais representa a identidade cultural do brasileiro, reflexo de sua formação, de sua história, de suas venturas e desventuras.

O Carnaval reúne samba, frevo, festa de rua, com muita gente suada, corpos bronzeados, beleza, erotismo, e, acima de tudo, uma explosão de alegria. No carnaval, há uma mistura de classes sociais. Não se sabe, ao certo, se a explosão de alegria do Carnaval representa felicidade ou desespero.

As grandes escolas de samba aproveitam o Carnaval para fazer denúncias sociais e protestar contra a política.

Nos dias de Carnaval, não me canso de evocar Nova-Cruz (RN), minha terra Natal.

Olho pelo retrovisor do tempo e me vejo menina, num clima de alegria, com confete, serpentina e cheiro de lança-perfume, numa época em que ninguém tinha morrido, nem a maldade havia nascido.

Pois bem. Morava em Nova Cruz (RN) um rapaz de nome José Teixeira, filho de uma viúva, pertencente a uma ramificação de tradicional família daquela cidade. Dizem que, desde criança, sempre demonstrou tendência feminina nos gestos, preferindo os brinquedos das meninas e desprezando carrinhos e bolas com que os meninos brincavam. Cresceu assim, e, dessa forma, tornou-se rapaz, passando a se dedicar às prendas domésticas. Revelou-se um verdadeiro artista, aprendendo a bordar, pintar, confeccionar flores e chapéus femininos ornamentados.

Com o passar do tempo, José Teixeira dedicou-se completamente à decoração de ambientes e preparação de festas, difundindo cada vez mais suas habilidades artísticas. Com elas, passou a ganhar dinheiro, ajudando no sustento da mãe, viúva pobre, e suas duas irmãs.

Era religioso, educado, e sabia respeitar as pessoas, sendo por isso também respeitado. Nenhuma festa acontecia na cidade, sem que estivessem presentes a sua arte e o seu bom gosto. O preparo de altares na Matriz da Imaculada Conceição, Padroeira da cidade, os andores para as procissões, festas de casamento, aniversários, enfim, quaisquer acontecimentos festivos contavam com a sua indispensável participação.

Tornou-se o decorador oficial da cidade, nos eventos públicos ou privados, inclusive nas festas religiosas do final do ano, onde havia uma Quermesse para angariar fundos para a Igreja. Eram frequentes os jantares, os saraus, os bailes, as procissões e novenas, como manifestações da realidade artística, religiosa e social da cidade. Em tudo, estava a presença marcante desse filho de Nova-Cruz.

Merece destaque o fato de José Teixeira nunca ter escondido sua tendência feminina, mantendo, entretanto, uma conduta discreta e digna. Vivia para o trabalho, e nunca se meteu em fofocas. Seu excelente círculo de amizade incluía moças, senhoras casadas, senhores e rapazes. Até o Padre da Paróquia de Nova-Cruz lhe fazia elogios publicamente, em agradecimento pelo seu trabalho de embelezador e colaborador das festas e procissões. Nessa época remota, o distúrbio genético apresentado por José Teixeira era raro, e a cidade que o viu nascer o aceitava como era.

Sua presença tornou-se indispensável nas festas de aniversários, casamentos e bailes. Também ocupava lugar de honra na vida familiar da cidade, sendo sempre convidado para almoços e jantares, e ainda para padrinho de crianças. Tornou-se amigo e confidente de todos. A cidade se desenvolveu e passou a ter mais festas, aumentando também o prestígio de José Teixeira. Era um verdadeiro “patrimônio” artístico de Nova-Cruz.

Surgiu o primeiro bloco de carnaval da cidade, tendo José Teixeira como organizador, decorador e figurinista. Esse bloco saía às ruas de Nova-Cruz no tríduo carnavalesco, “assaltando” as residências de pessoas da cidade, onde era recebido com bebidas e salgadinhos, à vontade. As calçadas e ruas transformavam-se em salões de festa e a alegria era imensa.

O nosso Tio Paulo, uma figura inesquecível, era um dos maiores incentivadores do bloco, e o “assalto” à sua casa era indispensável! Irmão do nosso pai, Francisco, as casas eram vizinhas, e o “assalto” era aproveitado por nós, ainda crianças. Dançávamos no meio da rua, jogando confetes e serpentinas, presenteadas por ele, num clima de felicidade sem igual.

Tio Paulo distribuía lança-perfumes para os seus amigos, compradas em Natal, que eram usadas para perfumar o cangote das moças. E o cheiro se espalhava pelo ar. Não havia porre, loló nem brigas. O carnaval era só alegria e higiene mental. O Rei Momo e a Rainha do Carnaval eram eleitos, uma semana antes, por uma comissão apontada por José Teixeira, da qual fazia parte.

José Teixeira confeccionava a alegoria, porta-estandartes e as fantasias para o carnaval. Pierrôs, Colombinas, Arlequins, Odaliscas (vem Odalisca do meu harém vem, vem vem… ) e Piratas eram as principais fantasias. A tarde entrava pela noite, com trombones, tamborins e outros instrumentos, executando os mais belos e tradicionais frevos e marchinhas de carnaval. A cidade era calma e o povo todo era conhecido. Não havia o carnaval sensual/sexual de hoje, e os seios e nádegas eram guardados com recato. As marchinha e frevos não tinham maldade. Tinham beleza e poesia.

Podemos dizer que, em Nova-Cruz, foi José Teixeira quem inventou o Carnaval, o bloco, a alegoria e o estandarte, numa época em que a maldade nem pensava em nascer. Assim era José Teixeira. Totalmente feminino, amado, respeitado, e aceito por todos, sem sofrer exclusão pelo seu modo involuntário de ser. Para mim, ele era um Anjo. E Anjo não tem sexo…

Hoje, desapareceram a pureza e o lirismo das músicas de carnaval! Roubaram as fantasias do nosso povo. Os Pierrôs, Colombinas, Arlequins, Odaliscas e Piratas se desnudaram. Restaram expostos, em abundância, seios, nádegas e tatuagens. A modernidade nos deixou apenas o direito de nos fantasiarmos de PALHAÇOS!!!Palhaços das nossas ilusões! Decepcionados, abafamos no peito a saudade dos velhos carnavais!

Ó, abre alas, que eu quero passar!

 

 

 

Violante Pimentel – Escritora

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