EU, JULIE & JULIA, UM PÃO E UMDESABAFO – 

Ainda sobre Julie & Julia… Amo a gastronomia francesa e a delicadeza nela envolvida. O máximo que consigo fazer é um “quase” Croque Monsieur. Falta pouco para ser perfeito! Flavinho se aventurou a fazer macaron. Livro em mãos, açúcar impalpável voando pela cozinha e concluiu ser menos cansativo encomendar quando tivéssemos vontade. Assim, sua vida como meu “macaronista” foi curta e insuficiente para matar a minha vontade. Concluo que não podemos ter tudo na vida. Qual seria a graça?

Voltemos a falar sobre o filme. Vi Julie replicando as receitas de Julia: lagosta, cogumelos. Entre lençóis sendo trocados e filme revisto, pensei em fazer algo novo. Comecei meu sábado fazendo pão. Neste período quarentenário vi grupos de whats se destruindo por mensagens políticas, vi agressividade quando mais necessitamos de carinho, silêncio quando precisamos de uma palavra. Isto me frustrou. Em nossos cafés da tarde discutimos como o mundo ressurgirá após a pandemia. Flavinho me dizendo que o homem continuará mesquinho e egoísta. Eu, por outro lado, acreditando que a oportunidade de mudar é essa e aqueles que se permitem ver nisso uma possibilidade de se reinventar sairão de alma nova. Espero estar certa.

Enfim, os grupos de whats eram frenéticos nas primeiras semanas de reclusão! Parecia que não teríamos amanhã! Fotos, conversas, receitas. Pessoas que nunca falavam desnudaram suas almas expondo seus medos. Alguém carinhosamente colocando band-aid na ferida alheia, tentando manter a esperança. Quando nos demos conta que este tempo seria muito mais longo, as palavras ficaram curtas, assim como o tempo disponível a acarinhar outros corações. Voltaram à desculpa já batida: não tenho tempo!

Que pena…

Nos momentos de maior frenesi recebi receitas. Bolos, pizzas e até tatuís, para horror do meu marido sementender como sua esposa, inclinada a desejar pratos fantásticos, pode amar comer tatuí na manteiga com colorau! Aquelas coisinhas difíceis de explicar.

Sempre sonhei em fazer pão. Fofinho, aerado, complemento perfeito para um café. Recebi receitas fantásticas que me fizeram olhar para o celular e pensar: será que sou capaz? Uma “padeira” me enviou amensagem: “faço contigo, por vídeo-chamada!”. Outra, que tem mãos doces e que em uma das minhas cirurgias,cinco anos atrás, passou a tarde comigo saboreando uma torta de limão e compartilhando experiência de vida, também me enviou uma receita com o recadinho: “fácil e meu Gabriel ama”. Diante do apoio destas mulheres que disponibilizaram suas receitas, seu tempo e me animaram… O filme foi o empurrão final que eu precisava.

Fui à cozinha fazer pão! Se não der certo, pensei, consulto a videoaula! Misturei os ingredientes com medo. Sempre achei pão um daqueles mistérios da cozinha, assim como risoto. Pegava um ingrediente, media, olhava a receita. Não esqueci nada? Será assim mesmo? Então, minha alegria enche a cozinha de pulinhos quando vejo aquelas bolinhas (as primeiras, meio desajeitadas) se transformando em pães lindos, dourados e cheirosos! O perfume inundou a casa. Chamei Flavinho para, com sua esposa radiante, tomar um café fresco com pão saindo do forno.

Agradeço cada receita compartilhada, apoio para continuar escrevendo, fotos de pôr-do-sol ou apenas rindo das minhas tentativas frustradas de fazer crochê.

E, por favor, não se deixem levar pela desculpa do tempo. Ela está batida, desmascarada. Tenhamos tempo! Tempo para rir e dividir nossas experiências. Tempo para tocar o coração de alguém, seja com um bolinho de presente que chega surpreendentemente na portaria e nos tira um sorriso largo, seja com uma mensagem dizendo que eu não me preocupe com o crochê que fará para mim e, sim, me ponha a escrever que é este meu dom. Não importa! O importante, principalmente neste momento, é multiplicar a alegria e o amor. Desta forma, provarei a Flávio que estou certa!

 

Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista e Professora universitária

 

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