“EU ABRO A PORTA PARA VOCÊ” –

A postura do pianista não era nada comum: de costas para o piano

Próximo ao meio-dia de um domingo ensolarado, fiz correr a porta de vidro do restaurante(*). Naquele horário, apenas um casal na mesa ao canto saboreava as iguarias do variado cardápio de peixes e camarões.

Sentei-me numa das mesas permitindo-me observar o piano, que guardava um silêncio como que esperando por uma plateia que “justificasse” o toque nas teclas ferindo as cordas em notas sonoras.

Fiz o pedido para delivery. O cidadão que estava na mesa levantou-se e disse em forma de lamento: “o pianista ainda não tocou nada. Ele só toca para as elites”. Claro que ele estava brincando. E isso atestei quando lhe dirigi uma pergunta: o senhor teve oportunidade de desfrutar de suas melodias quando ele tocava no Bella Napoli do Tirol, alí na Hermes da Fonseca?

Claro que se tratava do maravilhoso pianista Manoel Xavier. Hoje com 78 anos. Começou a tocar quando tinha trinta anos e, no Bella Napoli (Tirol), foram 32 anos de dedicação. Ele embalava as tantas e diversas conversas dos boêmios que varavam a madrugada. Sua música, suave e romanticamente clássica, atuava como um bálsamo para aqueles que vinham de embalos e programas mais “movimentados”.

Olá mestre Manoel!? Lembra de mim lá do Bella Napoli? Sua resposta foi simples e motivadora: “lembro sim”!

Neste instante, girou o assento do banquinho e, expondo as teclas pretas e brancas, (um pouco amareladas pelo tempo), dedilhou uma de suas belas interpretações.

Certa vez perguntei o porquê das cores e aprendi: As  brancas marcam as notas naturais (dó, ré, mi, fá, sol, lá e si) e as pretas os meios tons, como o sustenido e o bemol.

Enquanto tocava, o mestre Manoel, dava uma olhadinha para o salão do restaurante testemunhando que apenas eu e o casal ali estavam. No entanto, éramos seus admiradores e saudosos frequentadores das madrugadas do Bella Napoli (Tirol).

A naturalidade individual e a liberdade musical do nobre Manoel Xavier, conferem, a ele, o dom dos grandes pianistas.

Ao final, o aplaudimos! E como um sabedor do quanto nos fez felizes, sorriu.

Levantei-me e, com as mãos ocupadas com as embalagens, mais uma vez, o mestre pianista Manoel foi um anjo terreno: acompanhou-me até a porta do restaurante e disse-me: “Eu abro a porta para você”.

Agradeci e, imediatamente, interliguei-me com Deus agradecendo por aquele momento mágico de um domingo nada programado para um encontro divino.

Quantos não deveriam abrir a porta para ele e demais talentos esquecidos nas noites e nas madrugadas da vida!?

Aos mestres pianistas das anteauroras, o meu respeito. Ao mestre pianista Manoel, minha gratidão.

(*)Aos saudosos, e aos que não tiveram a oportunidade de ouvi-lo, o restaurante fica alí ao final da Prudente de Morais, em Candelária. É a ‘Peixada do Cumpadre’.

 

 

 

 

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras ([email protected])

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