Entre a insegurança e a esperança –
A conversa de hoje segue no rumo inspirador do pensamento do mestre Zigmunt Bauman, o qual homenageei em texto anterior como sendo “O Homem que decifrou nosso tempo”.
Pois muito bem, Mestre. Você acertou na mosca destacando a presente crise, que afeta todos os aspectos da nossa condição de vida neste planeta.
Todavia, ensinou o pensador britânico Thomas Paine (1737 a 1809), em seu famoso livro “Senso Comum” que “quando sofremos, ou somos expostos por um governo às mesmas misérias que poderíamos esperar de um país sem governo, nossa calamidade é ampliada pela reflexão de que nós mesmos suprimos os meios pelos quais sofremos”.
O caro leitor há de convir que, sendo a segurança, em nosso atual contexto, o principal propósito e objetivo de um governo, decorre que qualquer forma de governo que nos pareça mais capaz de garanti-la, com um mínimo de aventura e o máximo de benefício socioeconômico, é preferível a todas as demais.
Debrucemo-nos sobre a nossa dura realidade:
No Brasil, mais de 50 mil pessoas são assassinadas por ano – isso já acontece há vários anos. Quase todas as vítimas da violência urbana são jovens negros, pobres, moradores de favelas e de periferias urbanas de cidades brasileiras. Os meninos pobres são vistos como se fossem criminosos. E é preciso dizer que nunca foram suficientes os investimentos realizados em Segurança no Brasil. Ainda por cima, foram investimentos aplicados basicamente em viaturas, armas e equipamentos; esquecendo o capital humano, principal esteio de qualquer instituição. Vivenciamos, há décadas, a ideologia da “viaturização” das polícias. Além disso, as forças de Segurança, principalmente as polícias, ainda não passaram por um processo profundo de democratização, de modernização. Continuam apartadas do povo.
Por outro lado, vivemos uma hiperconectividade, através das redes sociais, que nos passa a impressão (falsa) de ativismo e participação política, mas que é apenas “curtição” e desencargo de consciência.
Sabemos que a criminalidade tem ligações com o nosso problema social, cuja causa principal é a ausência do Estado em quase todos os aspectos da vida dos segmentos mais pobres da população.
É quase inexplicável o descaso que faz com que os governos invistam tão pouco em Segurança e na educação pública, agricultura; energias renováveis; inclusão sócio produtiva; meio ambiente; segurança alimentar e nutricional, na vida do nosso povo. O Estado brasileiro ainda é ausente para a maioria da população.
A sociedade civil organizada não consegue mais aceitar essa situação, herdada de erros históricos cometidos pelo Estado em negar os Direitos Constitucionais de cada cidadão de bem. Hoje, em pleno regime democrático, no Brasil, ainda se prepara a polícia como se fôssemos para uma guerra, para o combate ao crime. Esquecem-se os interesses do povo – que só quer viver, trabalhar, estudar e ser feliz.
Ao policial foi confiado, pela sociedade e pelo Estado, o papel da Segurança pública; como se a sociedade não fosse corresponsável. Ou seja, historicamente, a Segurança pública, tem-se resumido ao combate à criminalidade. Uma desinteligência sistêmica, porquanto violência gera violência. Resultado: já vivemos em plena guerra civil sem quartel; com o crime se modernizando mais rapidamente do que o Estado. Os chefes do crime organizado não estão nas favelas. Estão nos jatinhos voando para Miami, são poliglotas bem informados e muito articulados.
A polícia deve continuar com viaturas, armas e equipamentos de comunicação modernos. Todavia, tendo como premissa que prevenir é melhor e mais barato. Com a polícia perto do povo, com o policial inteligente, investigando, pesquisando, conquistando a confiança das pessoas comuns, em convivência cotidiana; quase como se fossem líderes populares, representando a presença do Estado, um canal aberto para os bens da cidadania. Em resumo, deve-se usar a inteligência “lato sensu”.
Como, no patropi, a própria Democracia está sob ataque – e esta é a grande questão em jogo – devemos indagar se ela é ainda capaz de pensar sobre si mesma, de se repensar e recuperar o poder de governar de fato.
Assustadoramente, estamos no meio de um tecido movediço, entre a Insegurança e a Esperança.
Rinaldo Barros é professor – [email protected]