“ENGENHEIRO NÃO SABE SE EXPRESSAR BEM” –

Em 1984, brasileiros foram às ruas clamar por eleições diretas para presidente da República ao ritmo da campanha intitulada “Diretas Já”. Ulisses Guimarães liderou o movimento que tomou vulto em todo o país. No dia 10 de abril do mesmo ano, no Rio de Janeiro, ocorreu a maior concentração de pessoas que se teve notícia em solo brasileiro, ocupando a Avenida Presidente Vargas e adjacências, no que ficou conhecido como o “Comício do Milhão”.

Na época, o presidente João Figueiredo cumpria agenda oficial em Marrocos, na África. Integrava a comitiva presidencial o deputado federal Alcides Franciscato (PDS-SP), amigo do mandatário da nação. No saguão do hotel onde se hospedara, o parlamentar confidenciou a jornalistas ser possuidor de ótima notícia.

Então revelou o teor de suposta conversa mantida com Figueiredo acerca do comício de um milhão de pessoas, no Rio de Janeiro. Segundo Franciscato, o presidente afirmara que “se estivesse no Brasil teria sido o milionésimo primeiro” a participar do comício.

A declaração de Franciscato foi publicada na imprensa nacional causando alvoroço nas lides governistas. No dia seguinte, já em Madrid, ao saber da repercussão da dita fala no Brasil, Figueiredo ficou possesso: “Eu nunca falei isso. Onde o Franciscato foi buscar isso?”. Em seguida ordenou: “Chame o Franciscato aqui”.

Cara a cara, presidente e deputado travaram o seguinte diálogo: “Ué Franciscato! Quando foi que eu lhe falei sobre comício?”. E ele: “É… presidente, é que eu interpretei mal o seu pensamento”. Figueiredo retrucou: “Como é que você interpretou meu pensamento se eu não lhe falei nada disso?”.  Sem saber mais como explicar a gafe, o deputado saiu-se com esta: “…Eu sou engenheiro, não sei me expressar bem”.

Instado a colocar a controvérsia nos “devidos termos”, Franciscato convocou a imprensa e concedeu inúmeras entrevistas afirmando que a expressão “milionésimo primeiro” fora uma invenção sua supondo estar externando o pensamento de Figueiredo (Jornal do Brasil de 13.04.1984).

O Clube de Engenharia do Rio de Janeiro logo se posicionou divulgando nota do presidente, Mateus Schnaider, desqualificando a insinuação que atingiu a classe por ele representada: “A generalização do deputado é imprópria, repugnante e inoportuna, como foi a sua retratação”. Tanto a declaração de Franciscato foi desastrosa quanto pertinente foi a revolta de Schnaider.

 Não acredito que o deputado não soubesse se expressar. A insensatez de sua declaração calou fundo em camadas da categoria atingida, porque ressaltou o suposto despreparo cultural do engenheiro. É fato, que insinuação análoga a de Franciscato, já ganhara corpo na sociedade sem que se identificasse a origem.

Ora, para escrever ou falar de forma aceitável é essencial possuir bom vocabulário e razoável conhecimento gramatical, o que se adquire mediante leitura ampla e diversificada. Assim como existem engenheiros sem qualquer intimidade com a Língua Portuguesa, vicejam em outras profissões analfabetos na mesma matéria.

Hoje é comum nos depararmos com manifestações culturais de engenheiros em diferentes meios de comunicações, contrariando a generalização que, por algum tempo, arranhou o nosso brio profissional. Aleluia! Imaginaram nos desculparmos a todo instante com a ladainha: “Engenheiro não se expressa bem”.

 

 

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

 

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