ENCARANDO DE FRENTE –

É incrível, mas é verdade. Um autêntico absurdo em publicidade: encarando de frente. É do mesmo nível de subir para cima, descer para baixo, entrar para dentro, sair para fora, hemorragia de sangue, vereador municipal, hepatite do fígado, novidade inédita, repetir outra vez, emulsão de óleo, adiar para depois, antecipar para antes, panorama geral, exultar de alegria, breve alocução, todos foram unânimes, conviver juntos, inventar novos, criar novos, sentidos pêsames, efusivos parabéns, erário público, demente mental, este último, provavelmente, o redator da propaganda.

Vai aparecer um engraçadinho que dirá que é para chamar à atenção, pois, dessa forma, provoca comentários… e até artigos! Prefiro achar que é falta de preparo, mesmo. Afinal de contas, encarar significa olhar de frente, de cara; fitar os olhos em; olhar com atenção; enfrentar, afrontar, arrostar, acarar. Vê-se, portanto, que encarar não pode ser de lado, de banda, de costas ou de quina. Tem que ser de frente e, por isso, é redundância, pleonasmo vicioso, perissologia (vício de linguagem que consiste em repetir várias vezes, por palavras diferentes, um pensamento já enunciado).

Socorro-me de Luiz Antonio Saconni que observa: não há redundância, contudo, em intrometer-se no meio, já que alguém pode intrometer-se no começo, no fim e até mesmo no meio de uma conversa; nem em voltar-se para trás, pois alguém pode perfeitamente voltar-se para o lado. Não se tomam como redundâncias, na língua contemporânea, estas combinações: antídoto contra, interpor-se entre, concordar com, comparar com, suicidar-se.

O pleonasmo é o emprego de termos desnecessários, cujo objetivo é enfatizar a comunicação. É uma figura de linguagem, mais especificamente figura de palavras. Pode ser semântico (ver com os próprios olhos) e sintático (a mim ninguém me engana). Só possui valor literário quando a repetição tem finalidade expressiva, quando traz objetivo estilístico, do contrário constitui redundância ou tautologia.

Há quatro anos atrás, nas olimpíadas… há quatro anos, tem que ser atrás. Ou se diz, quatro anos atrás, ou, há quatro anos. Seria o mesmo que dizer: daqui a quatro anos pra frente…

A redundância é um vício de linguagem do mesmo grupo do barbarismo (recorde, íbero, rúbrica, janta), do solecismo (o povo foram, a turma gostaram, haviam muitas pessoas, quem fez isso foi eu), da cacofonia (nunca ganhou, ele marca gol, escapei de uma boa hoje, mande-me já isso, boca dela), da ambiguidade (mataram a vaca da sua mãe, em vez de mataram a vaca que era da sua mãe), do preciosismo (- Olá, da costa d’áfrica, quanto queres de remuneração pecuniária para transpor-me deste pólo àquele hemisfério?, que, objetivamente, seria: – Olá, negrão, quanto você cobra para levar-me de uma margem à outra?; – Na pretérita centúria, meu progenitor presenciou o acasalamento do astro-rei com a rainha da noite. Que no popular seria: – No século passado meu avô presenciou o eclipse solar; – Lula é o salvador da pátria? Isso são parolagens flácidas para dormitar bovinos, ou seja: – isso é conversa mole para boi dormir), do arcaísmo (hum, senhôra, vosmecê, tinha abrido), plebeísmo (legal, cara, bacana, pintei no pedaço, ganhei a mina, mas acabei dançando, malandro: a mina tava amarrada em outro carinha… a doidinha me jogou pro alto, me achaquei!).

Finalmente, quando é que os jovens vão aprender a usar corretamente a preposição antes das horas?

– Eu vou de duas e volto de quatro.

Quem volta de quatro (ou de duas, ou de qualquer outra hora) é burro, pois hora não é transporte para você ir ou voltar de. Vamos às duas e voltamos às quatro.

Em um comentário político, no meio dessas observações acima, um amigo falou: – Eu conheci um petista doente… Ao que o outro interrompeu com veemência: – Redundância! todo petista é doente!!!

 

Armando Negreiros – Médico e Escritor
 As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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