EMBRIAGADA DE VIDA –

Tem dias que as palavras se engasgam na garganta, os versos ficam presos, o cotidiano se torna mero expediente da vida; em que os contos não conseguem ser retratados por seus personagens. São solidões apáticas nas claridades dos vazios ofuscantes. São forças que agem contrárias ao desejo de seguir. Os olhos pesam, a alma sente-se cansada. O corpo, inerte, paralisa os pensamentos pausando nas imagens mais amargas dos últimos tempos.

A cama é o único lugar onde se deseja estar. E se o sonho me levasse para outras realidades? Talvez para os sonhos que há tempo não sonho mais. A realidade tem se tornado muito cruel. Está difícil viver por aqui. Tento, esforço-me, empenho-me em expurgar os pensamentos, as notícias, os fatos e as lembranças ruins que se amontoaram nesse último ano. Nos últimos tempos.

Hoje, tentei escrever um texto engraçado, algo que pudesse satirizar, tornar cômico, mas os pensamentos me sabotaram. Nada de novo vinha às mãos, nem ao menos saiam dos pensamentos; nenhuma bobagem se apercebia diante do flagelo que estou vivendo. Muitas coisas ainda precisam ser vividas, ainda tem muitas coisas não ditas ou ditas em demasia. Muita dor espalhada. O sofrimento é iminente e não se mostra pronto para partir.

Até quando? É a pergunta que mais ouço e a que mais faço. Até quando viveremos no purgatório sem direito às indulgências? Pior, sem a certeza da salvação, do encontro com o Santíssimo.

Se tudo tem um propósito, uma razão de ser, havendo “mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia” – segundo Shakespeare -, não tenho como negligenciar a tremenda lacuna que se forma entre meus pensamentos, entre as perguntas e respostas que não se encaixam. Nada tem sentido e, ao mesmo tempo, tudo parece tão claro. A dicotomia das coisas, o paralelo e seus cúmulos.

Amor, viagens, projetos, família, planos futuros, tudo adiado, tudo em stand-by. Apertaram o pause do controle remoto da vida e esqueceram de nos avisar. Estamos andando em câmera lenta enquanto nossos pensamentos galopam. Há um descontrole nos sentidos da vida, na conta de energia, na feira do mês. Nem os sonhos são os mesmos, eu não sou mais a mesma. Algo está mudando, não sei se para o bem ou se para o mal.

O mais engraçado em toda essa história é que um dia a vida vai passar a régua e nos cobrar a conta, uma conta que não terei como pagar, a não ser com a própria vida, com o próprio passar do tempo. Afinal, entrei de gaiata nesse bar – tem dias que embriagar-se de vida é a melhor saída. Enquanto isso:

– Garçom! Por favor, mais uma cerveja!…

 

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora dos livros As Esquinas da minha Existência e As Flávias que Habitam em Mim, crô[email protected]

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